Aulas Transcritas de Processo Civil
terça-feira, março 15, 2005
 
Aula do dia 16.11.2004
...para que possamos compreender o processo de conhecimento na sua cognição e tutela. Para que o possamos compreender e a sua função importante naquilo que entendemos como sistema processual, é necessário pensar os aspectos pertinentes à cognição e tutela, pelo menos de modo introdutório para que possamos verificar as implicações e como funciona essa sistemática. Ou seja, como o processo de conhecimento trabalha, como o processo de execução trabalha, como o processo cautelar trabalha do ponto de vista macro.
Quando falamos em cognição nós podemos pensar em cognição horizontal e podemos pensar em cognição vertical.
Ora, o que significa isso? Toda a atividade processual envolve cognição, envolve o ato de conhecer, o ato de investigar em maior ou menor grau aquilo que lhe está sendo posto, aquilo que lhe está sendo colocado à jurisdição. Então, nessa medida nós temos que pensar que essa atividade jurisdicional, essa atividade de cognição, do ponto de vista do seu espectro de cognição, pode ser dividida em limitada e plena.
E o que significa falarmos que do ponto de vista do espectro da cognição o processo é limitado ou é pleno? Nós temos que pensar que por diversas vezes, em vários momentos, a atividade cognitiva restringe as suas possibilidades a um determinado grupo de hipóteses. Isso não impede ou isso não afasta a possibilidade de discussão de outros assuntos, porém em paralelo. Vamos pensar em alguns exemplos para que isso fique mais claro. Quando nós falamos no inventário, quando nós trabalhamos por hipótese nas questões pertinentes ao artigo 984, nos diz este artigo:
“O juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas.”
Nós observamos que no âmbito do inventário temos um determinado conjunto de questões que podem ser verificadas. Se, por exemplo, alguém se diz herdeiro, mas ainda carece de um título que afirme isso, e pretende uma investigação de paternidade, eu farei essa investigação de paternidade, porém num outro espaço - aqui, na cognição limitada - porque o inventário é limitado do ponto de vista do seu espectro de cognição. Ou seja, na verdade eu tenho que pensar no funcionamento do processo sempre com a separação de espaços, a reserva de espaços para o desenvolvimento de determinadas discussões. Eu posso travar diversas discussões simultaneamente, porém sempre e cada qual no seu respectivo e delimitado espaço cognitivo. Imaginemos que, por exemplo, um outro herdeiro queira anular o testamento. Eu vou discutir essa questão pertinente, a invalidação ou anulação desse testamento. Porém, não no espaço destinado ao inventário. Porque, mais uma vez, eu me deparo com o aspecto limitativo, o aspecto restritivo daquela determinada figura processual. Observamos, pois, que eu estou a todo momento retirando para outro foro, estou retirando para outro espaço a possibilidade de verificação dessas questões. E desta maneira nós vamos funcionar a maior parte do tempo do processo. Por exemplo, quando eu tenho o processo de execução eu vou aferir um número muito limitado de aspectos, eu vou aferir um número muito reduzido de aspectos. Porque eu vou verificar a presença de condições da ação, a presença de pressupostos processuais, a presença e a higidez do título executivo e, a partir desse momento, então, eu passo aos atos de expropriação. Qualquer questão que queira ser analisada ela será analisada - pelo menos em linha de princípio, e desconsiderando aqui, em primeiro plano, abre uma exceção de pre-executividade - mas ela será analisada no espaço propício, que é o embargo do devedor. O que não impede que não haja a propositura de uma outra ação em paralelo, como por exemplo, uma ação de prestação de contas, ou algum outro aspecto que envolva a mesma causa de pedir. Ou seja, eu estou separando assuntos. Quando eu trabalho, por exemplo, no próprio processo cautelar, eu sempre penso o processo cautelar em relação a algum processo principal. Daí porque a própria essência da cautelaridade é referibilidade que a cautelaridade apresenta. Ou seja, eu penso no conceito de processo cautelar sempre uma referibilidade, uma dupla instrumentabilidade, alguma questão principal a qual nós temos que proteger. Então, o que estou fazendo? Eu estou sedimentando espaços de discussão. Isso se dá, também, quando eu penso nos recursos. Por exemplo, quando eu penso num recurso especial; ou quando eu penso num recurso extraordinário, eu estou limitando espaços de conhecimento, porque não posso eu observar provas no recurso especial ou no recurso extraordinário, não é um recurso que me habilite a revisão de conteúdo probatório. Nesse ponto, então, o recurso especial e o recurso extraordinário são recursos limitados; ao passo que, em várias outras vezes, o processo apresenta características mais amplas, que a doutrina costuma chamar de plena - cognição horizontal plena. Assim, por exemplo, quando eu tenho um rito extraordinário, nós temos uma cognição horizontal plena, porque eu posso cercar de uma prévia limitação, realizar todo e qualquer tipo de discussão. Eu posso no recurso de apelação, por exemplo, ao contrário do especial ou do extraordinário, eu posso realizar todo o tipo de devolução de matéria impugnada. Quando nós temos, por exemplo, aqui o embargo do devedor para títulos extrajudiciais; ora, no embargo do devedor para execuções pautadas em títulos extrajudiciais, eu tenho uma ampla atividade cognitiva. Ao passo que, no art. 741, por exemplo, eu tenho um aspecto limitativo, porque neste artigo vem disposto que “na execução fundada em título judicial, os embargos só poderão versar sobre:”, e aí seguem os sete incisos do art. 741. Nessa medida, quando eu me limito em sete hipóteses eu tenho o art. 741 com o embargo do devedor como cognição limitada: quando o título é judicial; quando o título é extrajudicial, cognição plena. Ou seja, o meu espaço cognitivo é maior. O próprio recurso ordinário, assim como o rito ordinário, nós temos o recurso ordinário. O recurso ordinário faz as vezes da apelação quando nos deparamos com uma decisão, cuja competência originária é o próprio Tribunal. Nessa medida, eu tenho também um espaço pleno para devolução da matéria impugnada.
O processo vai funcionar do ponto de vista horizontal sempre com essa sedimentação ou não de espaços, sempre com essa limitação ou não de mecanismos de discussão e a possibilidade do desenvolvimento de diversas discussões em paralelo. Numa analogia bastante singela nós poderíamos dizer que nesse ponto o processo ele se assemelha muito ao ato de cozinhar, porque assim como no processo o que estamos fazendo quando cozinhamos é a separação de alimentos em função do seu próprio tempo de cozimento. Ou seja, se nós estamos diante de diversos tipos de alimentos, mesmo que eles sejam servidos simultaneamente, mas o seu preparo envolve a reserva de respectivos espaços. Isso é uma idéia muito singela, é uma idéia muito simples, é uma idéia sem qualquer complexidade - é o ato de separarmos os espaços para que possamos desenvolver, para que possamos implementar as discussões respectivas sem que os assuntos, em que pesem paralelos, não se confundam. Daí porque vem disso a noção de conexão, a noção de litispendência, a noção de continência, a noção de encerramento em função da coisa julgada. Ou seja, todas essas limitações de espaços ou plenitudes de espaços e as discussões em paralelo e as conseqüências dessas discussões em parelelo elas são melhor compreendidas quando se vislumbra como funciona o processo e principalmente essa questão aplicada ao processo de conhecimento. Por que? Porque no próprio processo de conhecimento nós vamos funcionar também desse modo, porque nós temos determinadas discussões que serão feitas no bojo do processo, então quando falamos em rito ordinário determinadas discussões que serão feitas no bojo do próprio processo, como por exemplo, a análise das condições da ação, a análise pressupostos processuais, as questões pertinentes ao art. 301, todo aquele rol de assuntos que estão previstos no art. 301, quando da contestação, a invocação de toda aquela gama de temas. Ao passo que outros temas serão desmembrados, reservarão uma cautela, uma prudência, um momento reflexivo; quando falamos, por exemplo, das exceções, tanto na exceção de impedimento, quanto na de suspeição, quanto na de incompetência. Quando falamos, por exemplo, na impugnação ao valor da causa, nós estamos criando espaços paralelos; quando nos referimos já a uma reconvenção comporta-se no espaço do rito ordinário, nos próprios autos do rito ordinário. Eu não crio para a reconvenção autos apartados. Quando falamos, então, de uma série de elementos e eventos que podem ocorrer no rito ordinário, ora nós temos a discussão no bojo do processo, ora nós estamos criando aqui eventos paralelos, espaços paralelos para a discussão. Ou seja, compreender isso, compreender o modo pelo qual isso opera é extremamente importante.
Importante também compreender como são do ponto de vista vertical, porque deste ponto de vista significa em que profundidade em que nós realizando essa investigação.
Essas informações, basicamente, são as informações da obra do Kasuo Watanabe. Kasuo Watanabe é professor da USP, é desembargador do TJ de São Paulo, e escreveu uma obra intitulada Da Convenção do Processo Civil Brasileiro. É uma obra de grande repercussão porque, além da profundidade teórica da obra, ela consegue ao mesmo tempo transmitir, de modo simples, esse funcionamento estrutural do processo. E que do ponto vertical se divide em superficial, sumária e exauriente.
O que nós temos do ponto de vista da cognição superficial, sumária e exauriente, segundo o Kasuo Watanabe? Nós temos uma cognição superficial em vários momentos do processo. Ou seja, vamos observar do vista da profundidade, nós temos uma escala de profundidade e que mesmo diante de um conjunto muito restrito, mesmo diante de um bojo probatório ou fático muito restrito já possível um desenvolvimento de alguma tutela.
Quando falamos em cognição superficial nós estamos, por exemplo, diante de uma liminar inaudita. A atividade cognitiva numa liminar inaudita é apenas superficial porque verifica-se, apenas e tão-somente, a estrutura afirmativa do autor. Não se teve ali qualquer contato, não se teve ali qualquer verificação de dados em relação ao ex adverso. E mesmo assim, diante de uma cognição superficial, já é possível determinar atos de tutela. Quando falamos, por exemplo, no processo execução nós vamos observar, como comentamos aqui, uma cognição limitada, mas além de limitada uma cognição superficial. Por que? Porque nós vamos aferir apenas as condições da ação, a presença do título executivo e é isso que interessa verificar, pela estrutura, pela arquitetura desse processo.
Então, obviamente, verificadas essas questões, já é hipótese de partirmos para a expropriação. Ora, qualquer impugnação que queira ser feita ela é, em linha de princípio, feita nos embargos do devedor. Por que? Porque no processo de execução eu desço apenas a uma cognição superficial. O mesmo poderímos mencionar quando da monitória, que é a expedição do mandato. Vamos observar que a cognição sumária ela já comporta um número maior de dados, ela já comporta um número maior de informações, um conteúdo probatório mais substancial. Ou seja, nós estamos aqui, então, descendo numa escala de profundidade da atividade cognitiva. O que significa que temos, por hipótese, a cautelar. Quando falamos na sentença cautelar ela é sempre dada como cognição sumária. Daí porque a própria cautelar não faz coisa julgada. Assim como o aspecto ligado à antecipação de tutela: a tutela antecipada é dada por intermédio de uma prova, erroneamente denominada de inequívoca, bem como os aspectos ligados à verossimilhança que esta prova inequívoca nos traz, e, conseqüentemente, é reversível, porque o próprio disposto no Código demonstra que a reversão da antecipação se dá a qualquer tempo. A reversão da antecipação é possível: após a concessão da tutela antecipada nós temos a continuidade do julgamento para que possamos aprofundar mais ainda essa cognição, chegando então a uma cognição exauriente.
Cognição exauriente que nosso sistema é a única capaz de formar coisa julgada material. No nosso sistema apenas a cognição exauriente tem esse condão. E vamos observar a cognição exauriente quando, por exemplo, nos deparamos com o rito ordinário, ou quando nos deparamos com o rito sumário no processo de conhecimento. Não podemos confundir o emprego da palavra sumário quando nos referimos a rito, com o emprego da palavra sumário quando nos referimos à própria cognição em si, a cognição do ponto de vista vertical. Não podemos confundir o emprego da palavra nas duas situações porque no rito sumário, assim como no rito ordinário as sentenças que são prolatadas são aptas a produzir, são capazes de produzir a coisa julgada. Ou seja, o fenômeno da coisa julgada recobre estas sentenças naquilo que foi estruturado para o respectivo rito chega a uma cognição exauriente. Porque temos que pensar quando falamos aqui em limitada e plena, que eu posso ter várias interações: eu posso ter uma cognição plena exauriente, eu posso ter uma cognição plena sumária, eu posso ter uma cognição limitada e exauriente, limitada e superficial. Ou seja, essas classificações não são excludentes; pelo contrário, elas são complementares. E, ao compreendermos adequadamente a forma de cognição horizontal:
limitida;
plena.
E vertical:
superficial;
sumária;
e exauriente; nós começamos a entender de que modo se processa essa estrutura processual e como funciona essa estrutura processual, ora reservando espaços, ora ampliando espaços, ora indo apenas à superfície, ora indo à uma cognição exauriente mais profunda. E toda essa atividade cognitiva sempre visa ao quê? Sempre visa tutelas, ou seja, essa atividade cognitiva sempre visa o ato de proteção disposto pela lei.
Vamos observar que a classificação das tutelas tradicionalmente comporta os meios de conhecimento, execução e cautelar. Claro que todos nós conhecemos, todos nós compreendemos estas modalidades, mas é sempre bom lembrarmos o aspecto do paradigma em que se estrutura cada uma delas. Vamos observar que cada uma delas apresenta um paradigma distinto, ou seja, se pauta toda a arquitetura de cada um desses modos de operar, desses modos de proteger - tutela nós temos como proteção - cada um desses modos de proteger está pautado num paradigma. A arquitetura de cada qual deles, então, é um esforço teórico processual para implementar mecanismos que possibilitem essa proteção.
Vamos observar que quando falamos em processo de conhecimento nós estamos diante daquilo que temos como dúvida. Por que Liebmann tem aquela famosa frase dizendo que o processo de conhecimento é o processo de fabricação de sentenças? Por que ele nos dá essa afirmativa? Porque o processo de conhecimento ele se pauta pela dúvida, ele tem como paradigma a dúvida, ele tem como ponto fundante a dúvida. Ou seja, o processo de conhecimento é o processo aonde autor e réu vão a juízo e vão apresentar ao magistrado toda uma gama de argumentos, toda uma gama de fatos e toda uma gama de provas. E nessa medida vão formar o convencimento desse magistrado para que ele prolate uma sentença. Sentença essa que pode declarar, que pode constituir, que pode condenar, que pode emitir um mandamento ou determinar uma execução lato sensu. Porém, em todas as hipóteses, nós estaremos fazendo o quê? Nós estaremos eliminando uma dúvida, porque o processo de conhecimento ao se pautar na dúvida, requer na sentença justamente um acertamento de direitos. O que significa falarmos em acertamentos de direitos? Como o próprio nome nos deixa antever, é tornar certa uma situação que antes era incerta. Vale dizer, dar uma declaração, pelo menos em tese, final acerca de um ponto obscuro, controvertido, polêmico, debatido entre as respectivas partes em conflito. Nessa medida toda a arquitetura desse processo, obviamente, se pautará nas provas. Obviamente, eu tenho a grande gama de atos deste processo voltada para o aspecto probatório e o estabelecimento, então, de um caminho possível para a elaboração da convicção do magistrado. Daí porque, então, há um rito que vai comportar a inicial, a contestação, a réplica; ele vai computar e prever uma audiência; audiência essa que nós vamos observar a fixação dos pontos controvertidos do processo se não vemos a proximidade de um acordo na audiência preliminar. Todo o detalhamento das provas, tanto estabelecendo uma teoria geral das provas, quanto mencionando as provas em específico. Ainda uma audiência final de instrução e julgamento para que possamos colher determinadas informações finais. E a prolação de uma sentença.
Ora, então, nós estamos fazendo o que? Organizando no processo de conhecimento toda uma gama de elementos que se destinam a provar e, conseqüentemente, se destinam a propiciar uma oportunidade de formação de convicção para o magistrado. O que é um paradigma completamente diferente do paradigma da execução, pois a execução ela vai se pautar não na dúvida, mas na certeza - claro, colocamos aí certeza entre aspas; mas a execução ela vai se pautar na “certeza” porque o centro aqui está no título executivo. Ou seja, eu tenho um determinado ato jurídico, que nós chamamos de título executivo, e esse ato jurídico,então, por força de lei, traz consigo uma fortíssima presunção de prevalência de uma posição jurídica. E ao fazê-lo passa a aferir o magistrado a presença desse título. Ou seja, raciocina-se, então, que em linha de princípio, quem é o titular desse título executivo é o titular de uma posição prevalente que deve ser satisfeita. Assim, a satisfação daquele alegado crédito constitui a pretensão, e se a pretensão é o próprio mérito disposto, é o próprio mérito dessa pretensão colocada em juízo, nós vamos observar que, ao contrário do processo de conhecimento, aonde, em função desse paradigma, nós organizamos toda uma estrutura probatória; em função desse outro paradigma nós organizar a estrutura de expropriação, ou seja, nós vamos organizar atos de expropriação que sejam aptos a cumprir a missão de dar satisfação. E, nessa medida, eu tenho no processo de execução a citação para pagar ou nomear bens a penhora, e não a citação para que se defenda o réu, e a partir já desse momento eu vislumbro todas as diferenças arquitetônicas. Eu não sendo citado para me defender, e sim para pagar ou nomear bens à penhora. Não nomeando bens à penhora, nós temos a reversão da possibilidade de escolha dos bens, e partir, então, da penhora, a esta segue-se a avaliação; à avaliação segue-se a uma hasta pública; hasta pública que, se exitosa, propicia um pagamento. Ou seja, eu não tenho na arquitetura desse sistema de proteção nenhum momento, a princípio, voltado para a formação de uma convicção. E por que isso? Justamente porque a cognição é uma cognição limitada, uma cognição superficial, em função de um pressuposto, em função de um paradigma centrado nesta convicção que é dada pelo título executivo.
E nesse aspecto também vai diferir do próprio processo cautelar, cujo o paradigma não é exatamente a dúvida e também não podemos falar em dúvida ou certeza, mas sim em proteção nesse determinado sistema processual. Porque o que ele visa é o socorro, o que ele visa é dar garantia a que essas outras duas formas sobrevivam. Ele visa, então dar respaldo, dar algum tipo de sobrevida a estas formas de processo. Essa maneira, esse subsistema cautelar vai comportar, a um só tempo, aspectos ligados a essa convicção do título, porque nós precisamos para um arresto, por exemplo, apresentar determinadas disposições, determinados atos jurídicos. O próprio artigo 814, inciso I, determina que:
“Para concessão do arresto é essencial:
I - prova literal da dívida líquida e certa”.
Nesse sentido o processo cautelar se aproxima da execução porque exige um determinado conjunto de atos que demonstrem essa posição. Mas, ao mesmo tempo, ele comporta toda uma gama probatória na sua instrução,o que o aproxima também do processo de conhecimento. Ele é um misto das duas formas anteriores e visa garantir a eficácia dessas modalidades. Então, quando nós temos, por exemplo, a necessidade da proteção de uma execução, podemos falar em arresto, podemos falar em seqüestro, quando nós temos a necessidade de proteção de um processo de conhecimento como a separação, podemos falar em arrolamento, por exemplo; ou seja, nós estamos protegendo aqui não o direito material, mas o próprio direito processual. Vamos observar que a doutrina fala na existência de dois gêneros; mas, por que dois gêneros? Porque enquanto este primeiro grupo protege o direito material, a segunda modalidade protege o direito processual. E aqui também vai justamente a distinção naquilo que pensamos em tutela antecipada e tutela cautelar. É o ponto nodal. Qualquer outra questão é coadjuvante, qualquer outra questão ela é simplesmente auxiliar. O ponto nodal aqui da distinção entre a cautelaridade e a antecipação é a natureza do direito protegido. Ou seja, sempre deve se fazer a pergunta, então, qual a natureza jurídica do direito protegido? Ora, a resposta a esta indagação é que nos define se devemos manejar uma tutela antecipada ou devemos manejar uma cautelar. Porque se a natureza jurídica daquilo que protegemos é processual, rumamos, oumanejamos a cautelar; se a natureza jurídica daquilo que protegemos é material rumamos, ou manejamos uma antecipação de tutela.
Essa questão extremamente tripartite, essa questão tão segmentada, esse modelo tão cerrado de processo, obviamente vem sendo amenizado. Temos que pensar que esse modelo, obviamente, ele se pauta numa concepção de processo do século XIX. E é um processo que, obviamente, se encontra espelhando esse liberalismo. E no século XIX nós estávamos no auge do liberalismo, o século XIX é o século liberal por excelência, é o século que vai pressupor uma primeira onda de direitos - os direitos civis -, aonde nós estabelecemos uma idéia, bastante liberal de que todos são iguais perante a lei. Ora, se todos são iguais perante a lei, se todos, então, são sujeitos livres - na ficção que é o direito - se todos são sujeitos livres na sociedade, se todos são agentes capazes nesta sociedade, podem livremente estabelecer os seus contratos. E os aspectos pertinentes à realidade social e a realidade econômica ficam de fora. Daí porque esse processo ele não se interessa pela realidade dos fatos. Vale dizer, esse processo ele não apresenta nenhuma vinculação a priori com as diferenças econômicas. Vamos pensar no aspecto prolatório da regra do art. 333, no seu inciso I, que não estabelece nenhuma distinção, é uma regra laboratorial. Pois o que estabelece o referido em seu primeiro inciso? Que ao autor cabe demonstrar o fato constitutivo do seu direito, e ao réu demonstrar o fato impeditivo ou modificativo. Ora, essa é uma regra muito bonita, essa é uma regra muito interessante, uma regra muito pura, é uma regra laboratorial bem ao gosto do século XIX, desconsiderando toda e qualquer distinção econômica entre as partes, toda e qualquer distinção social entre as partes, toda e qualquer distinção cultural entre as partes, toda e qualquer noção de equilíbrio real entre as partes. E a própria capacidade probatória de cada um. Assim, é claro que um processo pensado à luz do século XIX - vamos lembrar que quando estudamos a Teoria Geral do Processo, vocês devem ter visto isso no módulo passado, a obra do Oscar von Bülow, em 1856, é tida como uma das obras inaugurais do processo no que se refere a separação do processo do direito material. E nessa separação do processo do direito material, começa-se a construir todo o arcabouço teórico daquilo que nós chamamos de processo civil moderno. Basta pensarmos nessa influência liberal que nós não encontramos no CPC nenhuma disposição acerca da discussão de direitos difusos e coletivos. Ora, o Código de Processo Civil é um Código pautado para os problemas de Caio e de Tício, ou seja, ele ignora a realidade. Ele ignora que nós tenhamos conflitos difusos e coletivos, que a sociedade moderna produza uma gama de conflitos que extrapolam a individualidade. Mas o CPC não verifica e não vislumbra, não agasalha qualquer idéia dessas porque o seu espírito é absolutamente liberal. Ou seja, todos somos iguais, todos somos livres, todos somos sujeitos com as mesmas capacidades e, conseqüentemente, nessa “realidade”, nessa realidade imaginada pelo Código todos os conflitos são meramente individuais. Nós observamos, então, a falência do sistema processual muito em função dessa mentalidade liberal, deste paradigma último - que é esse paradigma liberal - do qual ele nunca se vetou. Vamos observar que a codificação ela pressupõe no máximo o litisconsórcio, ou seja, uma pluralidade de sujeitos e que mesmo assim pode ser limitada pelo magistrado, conforme o art. 46, parágrafo único, do CPC, porque o magistrado pode, se o número de litisconsortes dificultar a defesa ou o próprio andamento da causa, o parágrafo único nos assegura a possibilidade de o magistrado limitar o número de litisconsortes. Então, nós estamos diante de um sistema que qualquer direito difuso e coletivo foi sendo disciplinado à parte, À LÁTER do próprio Código. Observem que o Código, apesar de ser de 1973, ele não disciplina sequer a gratuidade de justiça. A gratuidade de justiça poderia ter sido estruturada e incorporada pelo Código de Processo, fazendo com que fosse revogada a lei de assistência judiciária, mas nem isso o CPC fez. Ou seja, o Código não incorporou no seu texto os mecanismos necessários à gratuidade. Isso representa e exemplifica, mais uma vez, o profundo espírito liberal do sistema processual, do CPC e a ignorância do Código, de modo completo para as respectivas realidades sociais.
É claro que isso tem um propósito, isso não se dá aleatóriamente, isso não é uma mera casualidade. Isso tem um fim específico, isso tem uma ideologia específica, isso tem uma razão específica de ser. O CPC ele se estrutura dessa maneira porque, justamente, dessa maneira ele consegue proteger interesses que são, obviamente, de uma casta, de um grupo, de um modelo do mundo. Nós vamos observar que nós temos uma singeleza processual penal significativa porque eu preciso citar se eu não tiver ainda uma tutela antecipada; porque a tutela antecipada no âmbito penal é a prisão preventiva, ela é pautada nos mesmos paradigmas. Mas se não tivermos uma tutela antecipada o sujeito será citado; uma vez citado ele presta o seu depoimento; em três dias apresenta defesa prévia; escutamos as testemunhas de acusação, as testemunhas de defesa; vamos abrir prazo para o art. 499, do CPP; alegações finais e respectiva sentença. Ou seja, do ponto de vista estrutural, o rito é extremamente singelo. Ao passo que a dificuldade, a complexidade processual civil se dá em função de quê? Se dá em função do dinheiro. Tem um velho ditado que diz o seguinte: o Diabo manda representantes a muitos lugares, mas quando o assunto é dinheiro ele vai pessoalmente. E é justamente isso: no processo civil o Diabo comparece pessoalmente, porque todos os assuntos do processo civil gravitam o quê? Gravitam o dinheiro. Nós mercantilizamos absolutamente tudo. Nós mercantilizamos a vida. É uma hipocrisia afirmamos - vejam como são aspectos hipócritas, vejam como nós somos ludibriados, enganados com esses discursos que são aparentemente bonitos. Nós dizem, então que o maior valor é a vida, o bem mais caro ao ordenamento jurídico. Isso é uma mentira, uma balela, uma verdadeira ofensa às nossas inteligências. Por que? Porque para cuidar da vida qualquer hospitalzinho vagabundo do SUS cuida. Para cuidar da vida - posso eu ser atropelado aqui e ir para num hospitalzinho vagabundo e morrer em cima de uma maca cheia de infecções.
Agora para cuidar, por exemplo, das disputas sobre o meu carro, ou para cuidar sobre as disputas sobre o meu relógio ou sobre qualquer outro bem - apenas o Judiciário. Apenas o Estado, só e única e exclusivamente o Estado é que pode cuidar do patrimônio. Por que? Porque as coisas que são relevantes para o Estado o próprio Estado institui o seu monopólio. É claro, meus caros, é evidente: qualquer um de nós pode morrer numa cama suja de um hospitalzinho do SUS, porque a vida não tem a menor importância, a vida não interessa ao Estado, a vida não tem significado para o Estado, o Estado está se lixando para a vida de cada um de nós. O que o Estado se interessa, sim, é no quê? No patrimônio, por que? Porque só o Poder Judiciário pode deter e controlar as disputas patrimoniais e intervir no patrimônio. Ora, isso é uma opção ideológica. Agora, é claro que isso não é dito. O que é dito é o quê? Todas essas “baboseiras” de direito à vida, de que a vida é o bem mais importante, que a vida é o bem fundamental, que a vida é o bem mais protegido. Ora, no nosso aspecto e o próprio desenvolvimento da noção de dano moral e ressarcimento, mercantilizou a tal ponto que nós temos qualquer bem indenizável. Tudo se resolve em perdas e danos, tudo se liquida em perdas e danos. Observem que, a nossa sociedade, ela troca vidas por moedas, ela troca honra por moedas, ela troca dignidade por moeda, ela troca sentimentos por moedas. Ou seja, o sistema processual civil reproduz essa mercantilização, essa brutalização e, conseqüentemente, dando amparo na guia do Poder Judiciário fique dizendo essas baboseiras, essas besteiras inenarráveis a respeito da pacificação social, a respeito da estrutura, da composição de conflitos - como se os conflitos fossem compostos, como se o poder de uma determinada sentença - vejam que isso é uma atribuição quase que algo sacro-religioso: você vai a uma audiência, observem, como a própria audiência é estruturada em termos ritualísticos. Façam as suas analogias e percebam os modos de operação e desenvolvimento de um aaudiência com o rito religioso: a posição de prevalência, a posição de destaque onde o sacerdote é colocado em relação aqueles que assistem; e percebam como os leigos saem bestializados das suas audiências sem nada entender. Até pouco tempo atrás as missas eram rezadas em latim, por que? Porque linguagem é poder: ou seja, a partir do momento em que eu, hermeticamente, construo uma linguagem, construo também um campo de saber que é meu. E, conseqüentemente, o processo civil vai representar isso tudo, meus caros. O processo civil vai dar, justamente, a base para isso tudo, por que? Porque quando eu crio uma gama maravilhosa de juizados -oh! Que beleza! - essa gama de juizados ela serve para nos dar justamente a ilusão de justiça. Porque agora aquele sujeito que foi sempre massacrado, humilhado, esbravejado; foi sempre desrespeitado por tudo e por todos, agora ele vai para um juizadinho especial, e um juiz - ora, um juiz! Um representante do Estado! - lhe concede uma indenização de dois salários mínimos e meio! Aí ele saí dali dignificado, ele sai dali com a ilusão de justiça. E mais uma vez nós temos o Poder Judiciário cumprindo justamente a função a qual ele é arquitetado, ele é planejado, que é o quê? A manutenção do status quo. A manutenção do status quo com a ilusão, a propagação cada vez maior da ilusão de justiça. Ora, hoje o controle social ele não se dá mais pelas armas, ele não pode se dar mais pelas armas, as armas são ineficientes para o controle social - o controle social ele tem que se dar pelos corações e mentes. Ou seja, a própria estrutura de sedimentação de uma sociedade, de agrupamento de um tecido social. Porque se eu permito a desagregação do tecido eu perco o controle. O maior inimigo do Estado é sempre o seu público interno - e não o externo. Ou seja, manter o controle dentro das próprias fronteiras. E para isso eu preciso criar mecanismos. E o Poder Judiciário, como poder do Estado, é claro que representa e atende a que interesses? Em primeiro lugar a representação de interesses do próprio Estado, a sobrevivência do próprio Estado. E nessa medida, quando o sujeito sai com a sua indenizaçãozinha de dois salários e meio - e nenhum antepassado dele teve esse acesso à Justiça! Isso é uma palhaçada - essa expressão: acesso à Justiça! Você tem quando muito um acesso ao Judiciário. Acesso à Justiça é algo bastante diferente, pois nós estaríamos falando de uma Justiça com letra maiúscula, nós estaríamos falando do próprio conceito da teoria de Justiça, o que não é impossível no Judiciário. Mas quando o sujeito vai àquele respectivo juizado e recebe os dois salários mínimos e meio, ele sai de lá agraciado, extasiado, ele sai de lá acreditando nesta ilusão de que nós temos uma estrutura de acesso ao Poder Judiciário.
- Qual seria o contraponto a esse tipo de raciocínio? Por exemplo, você disse que o temos é que a vida aqui não simboliza absolutamente nada, e o Judiciário está aí para trazer o equilíbrio do status quo. E qual seria o contraponto a isso? Seria, vamos pegar aqui o exemplo você citou na última aula, a Telemar, que faz o cálculo do custo benefício; o contraponto seria uma multa muito grande, ou uma sentença de alto valor para que não repetissem isso? Seria mais ou menos isso?
- Não, entenda, o que eu faço aqui é levantar pontos de reflexão. Quando falamos na aula passada nos aspectos indenizatórios, por exemplo, mencionamos que a própria noção de indenização foi mercantilizada - pois a nossa sociedade mercantilizou tudo. E dentro dessa lógica mercantilista, nós temos o quê? Nós temos que essa indenização, que é dada pelo poder Judiciário, é dada em patamares para manutenção do status quo, e não para a quebra deste. Daí porque nós temos também que esse poder judiciário, ao não quebrar o status quo, ao simplesmente capilarizar a sua rede, está nos dando mais uma vez uma ilusão. Porque, vá ao Hotel Glória e assista aquelas palestras; pegue esses livros, você estava aqui com um livro do Humberto Theodoro, leia isso: a cada meia página ele fala da justiça, da composição social, da paz social; de que o Poder Judiciário é isso, de que o Poder Judiciário é aquilo. O próprio site do poder judiciário no Rio de Janeiro, coloca essa desgraça: você abre o site e lê: missão do poder judiciário: resolver os conflitos de interesses que lhe são levados pela população, garantindo as liberdades, assegurando os direitos e promovendo a paz social. Isso aqui está no site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Esse tipo de questão que é ilusória. Mas é claro: nós precisamos iludir. Como é que nós vamos manter uma população dessas sob essa fome, sob essa crise social, senão com a ilusão? E para que se mantenha isso, todos os poderes trabalham buscando a manutenção desse status quo: ou seja, evitar convulsão. É aquela velha e célebre frase: botar o povo na rua é fácil; o difícil é tirar. Então o problema é não deixar que o povo vá para a rua. E para não deixar que ele vá para a rua é preciso promover mecanismos de ilusão. Eu preciso manter o status quo, por isso crio a ilusão. Como eu faço isso? Eu vou capilarizar, e aí eu vou começar com os discursos frenéticos, enlouquecidos, uma verdadeira catarse carismática aonde nós faremos o seguinte: vamos esbravejar contra todo e qualquer tipo de recurso. E aí começam aquelas catarses; e o que significam elas? A ditadura do judiciário. E agora eu não posso nem mais espirrar dentro do Judiciário, porque eu começo a eliminar os recursos e eu começo a colocar um “MacDonalds” de súmulas vinculantes: você quer a súmula 1, a súmula 2, a súmula 3 ou a súmula 4? A súmula 5 está hoje em promoção? Você não quer? Eu vou ter o quê? Um MacDonalds de soluções através das súmulas que vão ser dispostas pelos onze eleitos de Deus. Onze eleitos, esse colégio de cardeais que é eleito por quem? Pelo presidente da República. Observem que, agora, eu transformo eles em sumulistas e eu neutralizo o quê? O próprio Congresso Nacional. Porque neste, pelo menos, seria o resultado do debate de 550, 580 parlamentares que foram votados e eleitos pelo povo. Agora não. Agora o que eles produziram não mais me interessa, porque o que me interessa é a súmula - a súmula dos onze - nos quais ninguém nunca jamais votou. Então vamos observar que o discurso em nome da celeridade é um verdadeiro espantalho. Celeridade todos querem. Quem é que não quer um processo que você ingresse e dois meses, seis meses depois está de posse da sentença? Claro, todos querem a celeridade. Agora o problema é: qual celeridade? Como eu disse na aula passada, o George Bush está lá jogando mísseis em Fallujah, matando e destruindo em nome da liberdade, da democracia. O problema é que são palavras que vão sendo manejadas, manejadas e manejadas e elas ficam tão vagas, elas ficam tão elásticas, elas ficam tão sem sentido que servem para tudo, servem para absolutamente tudo. E a celeridade virou uma dessas palavras. Ou seja, em nome da celeridade você vai solapando toda e qualquer garantia constitucional. Até o ponto em que você regula e regulamenta a pena de morte. No Brasil nós temos a pena de morte regulamentada, por exemplo, através da lei do abate: você pode, agora, sem que haja uma prisão, sem que haja o devido processo legal, sem que haja o respeito às garantias constitucionais abater um determinado avião. Por que? Ah, porque estava naquela rota eu abatí. Claro, eu não posso abater se tiver crianças dentro, só abaterei se tiver drogas. Mas como é que eu sei que há drogas dentro de um avião? Eu só vou saber se eu paro o avião em solo e consigo verificar. Fora disso é especulação. Mas é uma especulação que já me permite o quê? Abater um avião. Isso é pena de morte, meus caros. Gostemos ou não, é isso que nós temos: pena de morte. Disso para o abate naval, depois para o abate terrestre regulamentado. E nós vamos ampliar: já vimos aí, por exemplo, ilustres membros do Ministério Público defendendo a idéia de legítima defesa preventiva. Daqui há pouco, então, nós vamos regulamentar a idéia de legítima defesa preventiva. Ora, hoje nos jornais, está o crime de guerra cometido lá em Fallujah, devidamente gravado em vídeo (eles gostam de cometer os seus crimes e gravá-los) aonde entra o soldado americano em determinada mesquita e está lá o iraquiano deitado, ferido, pedindo ajuda. O soldado, ao invés de ajudar o sujeito ferido, simplesmente dá uma rajada de metralhadora em cima daquele iraquiano. Ele está levando o quê? Democracia ao povo iraquiano. A idéia é a mesma, meus caros, em nome da celeridade você está fazendo absolutamente tudo. E os contrapontos? Bem, eu não tenho as respostas,...
- seria uma justiça social, seria isso?
- ...o que eu tenho são pontos de indagação e possíveis, digamos assim, inícios de discussão. Uma delas é a própria noção do júri e a ampliação para uma gama imensa de assuntos. Essa é a verdadeira democratização do poder judiciário, porque a decisão técnica - ah! a decisão técnica! - sempre maravilhosa e nós temos sempre muitos argumentos a favor de uma decisão técnica. Mas ao longo do tempo você começa a perceber a até que ponto vale a pena essa decisão técnica. E o que é justiça? Nós passamos cinco anos dentro de uma Faculdade de Direito e não perguntamos o que é justiça.
- O que seria justiça? O que poderia ser...
- Muitas das vezes termos indagações já é o começo de uma solução. É claro que o que estamos fazendo aqui é um exercício, em sede de pós-graduação, uma reflexão de idéias. Até porque para dizer que a contestação se dá em quinze dias vocês não precisam de mim; para dizer que apelação é em quinze dias , que o agravo é em dez dias, vocês não precisam de mim. O objetivo aqui, em sede de pós-graduação, é levantarmos reflexões para que possamos, fugindo daquela nossa correria do dia-a-dia, estabelecer algum tipo de pensamento crítico. Agora, obviamente, as soluções são sempre muito lentas, ou inviáveis, ou encontram muita resistência. O que nós temos aqui no Brasil é um verdadeiro pavor. Ou seja, você observa pelo próprio elemento comportamental da Magistratura e de como qualquer aspecto é intitulado, é visto, é vislumbrado com verdadeira fúria. Qualquer crítica à magistratura é sempre vista como um ataque pessoal. E você verifica inclusive a própria noção de espírito de corpo e preparação dos seus membros através de uma Escola da Magistratura. Nada mais pavoroso do que a pasteurização mental que é dada numa Escola da Magistratura. Por que? Porque ali você vai pegar aquilo que sobrou de pensamento crítico naquelas pessoas e vai “ionizar”, você vai “purificar”, eliminar qualquer resquício crítico para que eles sejam os magistrados mais dóceis possíveis. Dóceis com quem? Com o Tribunal, com a sua cúpula. O juiz que incomoda, o juiz que dá sentenças efetivamentemente livres, autônomas, no exercício das suas garantias esse é expelido pelo sistema, esse nunca chega a desembargador. Ou, às vezes, quando ele é efetivamente audaz, ele é aposentado - compulsoriamente. Como nós temos alguns exemplos. A Maria Lúcia Caran, por exemplo, foi aposentada compulsoriamente, por que? Porque julgava com independência. E aí o Tribunal não tolera isso - os rebeldes. Como guardar um rebelde debaixo das asas? Vamos aposentá-lo compulsoriamente. Esse é o Poder Judiciário que nós temos, um misto, então, de contrapartida de um sistema de controle da lei mais autoritário ainda.
Observem, que, nos EUA, a Civil Acts pode ser proposta de várias formas por várias pessoas, ou melhor dizendo por qualquer do povo. Aqui, só pelo Ministério Público. Ou seja, nós não criamos mecanismos para democratização da sociedade. Nós criamos um fiscal, um bedel, um lanterninha, que fica andando entre os corredores e vendo se as pessoas estão se comportando bem. Observem, assim, que há o órgão de desconfiança estatal. Estão lá as partes, estão lá os representantes dessas partes, está lá o magistrado e um agente do lado (parece um sistema soviético, aonde havia um agente da KGB para tudo, desconfiando de todos), porque ele é o grande fiscal, ele é o Big Brother, ele é aquele que vai espionar e investigar todos, desconfiar previamente de todos, porque ele, Ministério Público, é esse grande fiscal. Assim, ao invés de pensarmos em mecanismos de democratização, como a ação civil pública, por exemplo, que tem uma abrangência significativa, como nos EUA, por exemplo; nos EUA, volta e meia, nos divertimos com filmes aonde sai um advogado batendo de porta em porta, arregimentando um determinado grupo e propondo uma ação civil pública. Quantos e quantos filmes já não vislumbramos dessa maneira?
- E ganha dinheiro.
- E ganha dinheiro.
- Isso é muito importante.
- É claro! Honorário vem de honor, que significa honra - a palavra mais bonita da língua portuguesa: honorário.
Brincadeiras à parte, nós observamos que aqui no Brasil a mentalidade é autoritária, é sempre uma mentalidade totalitária, porque não criamos mecanismos de democratização efetivos. Mais uma vez nos damos a ilusão de justiça, nós criamos o quê? O Ministério Público, porque a própria sociedade não pode se organizar e manejar uma ação civil pública.
- Mas não é porque nós ainda somos colonizados?
- Eu só aprendo a andar de bicicleta se eu tomar alguns tombos. Eu não preciso do Ministério Público, o que eu preciso é tomar tombos. Eu não preciso de uma grande bedel, de um grande fiscal eu preciso que à própria sociedade seja dada a possibilidade de organização, de auto-organização.
E vamos observar mais ainda: vamos observar as ações civis públicas. Um estudo, por exemplo, da PUC do Rio de Janeiro, mostrou as ações civis públicas que foram propostas pelo Ministério Público, entre os anos 1992 a 2000 (agora não me recordo exatamente das datas). Vamos falar apenas de uma delas: o leasing do carro. Todos lembram da ação civil pública do leasing, a desvalorização. Aí vem o Ministério Público propondo a ação civil pública, uma associação de consumidores é que propôs e ele também atuou como responsável nessa ação civil pública. Ora, quem é que compra carro com leasing através da indexação do dólar?
- O pobre?
- Não, na estrutura social brasileira, ricos. Na estrutura social brasileira, segundo dados do IBGE, quem ganha R$ 700,00 por mês, está no topo da sociedade brasileira. Quem ganha R$ 700,00 por mês, segundo dados oficiais, pertence à classe dominante, tamanha é a pobreza em nosso país.
Então, nós vamos observar o quê? Aquele estudo mostra que grande parte das ações públicas, propostas pelo Ministério Público, foi para a proteção de interesses da classe média. Então, qual a legitimidade? Em nenhum outro país nós temos concurso para paladino. Aqui o sujeito faz concurso para paladino - o paladino da justiça! Quem viu no O Globo de domingo, aquele promotor de justiça (deve ter ficado se maquiando uma meia hora antes, para aparecer bem naquela foto), posando num grande close, dizendo, sobre a questão ligada às drogas e a proposta do governo de uma política de redução de danos: nós somos favoráveis à política da tolerância zero. Qual a legitimidade desse cidadão para dizer isso? Como se ele fosse alguma coisa... Mas o problema é justamente esse, nós não temos mecanismos democratizadores do processo. O que nós temos sempre são mecanismos autoritários do processo. Ou seja, o processo cumpre uma função ideológica, protege uma determinada classe, um determinado tipo de interesse e nós dá uma ilusão de democratização e acesso a esses instrumentos.
E são esses instrumentos que nós vamos começar a analisar a partir de agora, porque nós temos que trilhar o quê? Nós vamos começar a observar o litisconsórcio, a assistência e as intervenções de terceiros que são os mecanismos ...

Segunda parte:

- Para quem quiser adiantar os temas do nosso módulo, nós vamos ver:
o litisconsórcio;
as intervenções de terceiros;
a instauração de processo com a petição inicial;
os aspectos ligados à contestação;
a reconvenção;
as execeções (impedimento, suspeição e incompetência);
os aspectos ligados ao valor da causa;
ação declaratória incidental;
as providências preliminares, aonde vamos ver também a questão ligada ao juiz;
provas;
sentença;
coisa julgada.
Esse basicamente é o modelo para uma abordagem do processo de conhecimento. Por isso estranho um pouco quando se diz que se foi até a coisa julgada. De qualquer maneira, eu vou evitar repetir temáticas ligadas à coisa julgada.
- .........
- Então, se não foi abordado quando da propositura da inicial nós podemos fazer um parentese ligado à competência, a análise dos critérios de fixação para que possamos ter melhor especificado isso.
Falarmos em litisconsórcio significa falarmos no fenômeno da pluralidade de partes. E o fenômeno da pluralidade de partes diz respeito não a uma visão de enquadramento de conflitos difusos e coletivos. O fenômeno do litisconsórcio é apenas uma possibilidade que nós temos de ampliar um conflito, mas mantendo a lógica dos conflitos individuais. O litisconsórcio é um mecanismo de discussão de conflitos individuais. Simplesmente conflitos individuais cujas polaridades são múltiplas, não se rompe com essa lógica liberal ao regularmos o litisconsórcio.
Nessa medida, o estudo do litisconsórcio se inicia antes da verificação dos dispositivos que nós temos afeitos no CPC pelo estudo da classificação. E o estudo da classificação comporta, basicamente, quatro formas de vislumbrar o litisconsórcio. Uma é uma classificação muito singela que diz respeito à posição. E aí não há mistério porque nós temos;
litisconsórcio ativo;
litisconsórcio passivo;
litisconsórcio misto.
Ou seja, não é uma classificação que exija qualquer aprofundamento, porque ela, por si só, se explica: vários autores, vários réus, ou vários autores e vários réus simultaneamente. Isso é um fenômeno que ocorre não apenas no processo civil, que recebe o nome de litisconsórcio. Nós temos que nos lembrar que é uma idéia geral do processo porque no âmbito do processo penal, por exemplo, nós temos o concurso de agentes. E no concurso de agentes do processo penal nós também idéias que são muito semelhantes ao litisconsórcio. Portanto, sempre que possível, nós vamos fazer algumas interações com o processo penal. Nós vamos observar que, por exemplo, assim como o recurso interposto por um dos litisconsortes a todos aproveita; o recurso penal interposto por um dos agentes, desde que o tema seja comum a todos os outros agentes, a todos os réus aproveitará. Ou seja, são idéias que guardam a exata proporção e medida do processo civil e do processo penal. Então são fenômenos distintos: o que nós estamos mudando são apenas nomes, prazos e alguma burocracia de encaminhamento procedimental. Mas a idéia fundamental está lá.
Questão mais pertinente, questão mais interessante ou que merece uma atenção mais detida diz respeito à classificação costumam fazer em relação à necessidade de aglutinação, ou o poder de aglutinação. Quando falamos em poder de aglutinação todos nós falam em litisconsórcio necessário e litisconsórcio facultativo.
O litisconsórcio necessário se subdivide em:
litisconsórcio por disposição de lei;
litisconsórcio por natureza jurídica.
O que significa afirmarmos isso? Ora, como o próprio nome nos deixa antever, o litisconsórcio necessário ele se dá necessariamente, por uma vontade da lei ou em função de uma característica da relação jurídica, da situação jurídica que é colocada em juízo. Então, nós temos que, compulsoriamente, imperativamente, pensar naquele determinado processo em litisconsórcio, pois que do contrário nós não poderemos prosseguir nessa demanda, nós teremos essa demanda extinta. Isso se dá, então, por força de lei quando a própria lei determina que se faça o litisconsórcio. Poderia ser de um outro modo, mas quer a lei que se faça esse litisconsórcio. Podemos pensar, por exemplo, no art. 942, que exemplifica isso de um modo bastante claro. Quando falamos na usucapião, por exemplo, nós temos uma primeira parte do dispositivo que a isso se refere. Nos diz o art. 942:
“O autor, expondo na petição inicial o fundamento do pedido e juntando planta do imóvel, requererá a citação daquele em cujo nome estiver registrado o imóvel usucapiendo,...”
Ora, então nós temos uma determinada situação em que A pretende o imóvel de B. A está na posse e nas questões que decorrem dessa posse, e B está como detentor de um título. Deste modo, teoricamente, essa ação poderia se desenvolver, poderia se dar entre A e B. Não haveria uma outra razão, pelo menos aparente, para que esse processo não fosse entre A e B. Eu posso pensar nessa relação jurídica e vislumbrar apenas e tão-somente os integrantes dessa relação jurídica: aquele que está na posse e aquele que detém o título. Entretanto, por uma questão ligada à economia processual, se incluem outros participantes dessa relação. Por que? Porque o Código nos diz que nós devemos ainda carrear ao processo os seguintes elementos:
“...bem como dos confinantes e, por edital, dos réus em lugar incerto e dos eventuais interessados, observado quanto ao prazo o disposto no inciso IV do art. 232.”
Ou seja, eu tenho que chamar à composição os proprietários - C, D, E e F - e outros possíveis interessados. Ou seja, é a lei - e não outra razão - mas apenas a lei que está determinando que eu também agregue no pólo passivo os demais confinantes. Para quê? Para que possamos agregar a esse usucapião uma demarcatória, de modo que, a um só tempo, eu decida o usucapião e eu demarque as medidas para que eu não tenha conflitos posteriores. Ou seja, eu estou buscando aqui uma economia processual. Eu estou buscando a razão de uma economia processual, porque eu poderia ter a seguinte situação: se eu tivesse uma situação entre A e B. A sairia vencedor da ação de usucapião; conseqüentemente, A teria uma sentença lhe dando a propriedade daquela determinada terra, daquele determinado imóvel. E nós poderíamos ter aqui, do outro lado, C, portador de um título que se confundiria, se extravazaria naquilo que agora A tem de sentença lhe dizendo que é seu. Assim, ao resolver um problema eu estaria criando outro: mas uma vez teria alguém com título, havido de uma posse, se sobrepondo agora a um outro título. Para evitarmos que a decisão de uma questão gere um conflito em relação aos demais, nós temos o usucapião e agregado ao usucapião uma demarcatória de terras. Por isso que nós estamos convocando todos os proprietários dos terrenos confinantes, dos terrenos que são contíguos de modo a criar uma sentença que produza as delimitações devidas, propiciando uma certeza jurídica naqueles determinados limites. Ora, sob esse aspecto, então, é um litisconsórcio que está sendo formado, que está sendo necessário, não porque a relação jurídica não possa ser pensada isoladamente. Ele está sendo imposto, ele está sendo necessário, como o nome nos deixa antever, porque é a própria lei que assim determina.
O que é uma situação diferente, uma situação diversa, por exemplo, de uma ação de dissolução de sociedade. A natureza jurídica de uma ação de dissolução de sociedade é incindível, a natureza jurídica é por si só múltipla, por si só plural. Conseqüentemente, eu não posso pensar isso senão em litisconsórcio. Nós vamos observar que o NCC, no art. 1033, fala na dissolução da sociedade e se não for feita a dissolução de sociedade pelos próprios sócios, surgirá, para o Ministério Público, a legitimidade para a propositura de uma ação de dissolução. Apesar de nada estar ali descrito em relação à formação de um litisconsórcio necessário, a conclusão óbvia é que aquela demanda de discussão deverá comportar todos os sócios, por que? Porque não posso dissolver para alguns e não dissolver para outros. A mesma coisa quando o Ministério Público propõe uma ação de anulação de casamento: eu não posso anular para um e não anular para o outro. São litisconsórcios que são necessários porque a própria natureza jurídica da relação exige isso.
Aliás, quando falamos em natureza jurídica poucas vezes paramos para pensar o que significa falarmos em natureza jurídica. Quando falamos qual a natureza jurídica disso, ou qual a natureza jurídica daquilo estamos na verdade pensando num meio de raciocínio. É uma forma de pensar cuja raiz está em Aristóteles. Por que? Porque Aristóteles foi o grande sistematizador, foi um dos grandes responsáveis pelo raciocínio ocidental. Quando Aristóteles desenvolve a sua obra, faz grandes distinções, e esse modo de pensar em gênero, espécie tem raiz aristotélica. E mais modernamente em Reneé Descartes. Daí porque falamos em modo cartesiano de pensar, em método cartesiano, aonde fazemos as respectivas distinções. Aonde nós temos, no discurso do método de Reneé Descartes, a divisão do nosso problema em tantas partes quantas forem possíveis. A análise de cada uma dessas partes e seu posicionamento; depois a remontagem de todas essas peças para a verificação de como funciona o todo pela compreensão de suas partes; e, posteriormente, a revisão de cada passo que foi dado. Esse, em síntese, é o método cartesiano. Então, pegamos aquela linhagem aristotélica com a contribuição cartesiana para formar a base daquilo qie nós raciocinamos. Esse é o meio de pensar que temos no Ocidente. Porque nós não raciocionamos pela diferença, nós raciocinamos pela identidade. Ou seja, estabelecemos gênero e tudo que é diferente do gênero nos é estranho, nós é repelido. Daí ser também uma das origens de todos os nossos preconceitos o modo pelo qual nós raciocinamos: nós estabelecemos padrões e tudo que foge a um determinado padrão nós temos a tendência de repelir; daí porque repelimos quem pertence a outro grupo econômico, quem pertence a outra etnia, quem pertence a outra religião; daí os preconceitos ligados as orientações sexuais de cada um: todos esses preconecitos se desenvolvem a partir de um modo de raciocinar através do estudo da parte para a compreensão do todo e o estabelecimento de um determinado gênero. E tudo que foge a esse gênero é mal visto.
O que nós fazemos em Biologia? Reino animal, reino vegetal. O que nós fazemos na Matemática? Aritmética e Geometria. O que nós fazemos no Direito? Direito Público e Direito Privado. É um modo que nós temos no Ocidente de raciocinar e dividindo, e dividindo, e dividindo encontramos a respectiva espécie; encontrando a espécie nós dizendo a que pertence aquela espécie. Isso é o que está por trás daquela perguntinha - qual é a natureza jurídica disto, ou o que é a natureza jurídica daquilo. Ou seja, quando você divide em direito público e direito privado, você faz as suas divisões e pergunta: qual a natureza jurídica do leasing? Você vai dividir o direito privado até chegar nas Obrigações, chegando nas Obrigações você chega nos Contratos e tem a natureza jurídica: natureza jurídica contratual. Só que normalmente como o professor ou o examinador é um espírito de porco, ao invés de explicar isso aqui na Faculdade, ele prefere logo perguntar qual a natureza jurídica, sem antes lhe explicar como você raciocina através da tal da natureza jurídica. Não se esqueçam, meus caros, que a maior parte dos professores é tremendamente espírito de porco, porque o que eles querem verificar é o fracasso do aluno. Vejam que todo o nosso sistema educacional se pauta no acerto e não no erro: ou seja, o que é premiado é o acertado e o erro é castigado severamente. Você tem, então, medo de errar. O nosso sistema não permite o erro, o nosso sistema não contempla o erro: ou você acerta e é premiado ou você erra e é castigado. Agora o processo educacional é a velha história do andar de bicicleta: sem tomar tombos eu não consigo andar de bicicleta nunca. Como é que eu quero, então, pautar o sistema e o modelo educacional se eu não permito esse tombo da bicicleta. Nós, assim, criamos o quê? Nós criamos covardes educacionais, o nosso sistema serve para criar covardes intelectuais, aonde você não se arrisca, aonde você não raciocina, aonde você busca não busca a reflexão, você simplesmente se limita a responder o que lhe ensinaram que é o certo. E se pautar e se comportar por aquela determinada medida daquilo que lhe disseram que é o certo.
Nessa medida, nós vamos observar que, naquele primeiro caso de litisconsórcio, a natureza jurídica dessa relação é indissolúvel, ela é indissociável, eu não posso pensar sem uma unidade. Isso é distinto do litisconsórcio facultativo, pois no litisconsórcio facultativo é aquele que vai se formar em razão da vontade, vontade essa que tem amparo numa questão que diz respeito a causa de pedir. Então, nós vamos observar a questão ligada a um determinado ponto em comum na causa de pedir, ou mesmo as questões ligadas ao pedido, que já ensejam algum tipo de interação e julgamento conjunto. E isso se dá com o objetivo de evitar decisões contraditórias. O nosso sistema cria ao longo de vários mecanismos, ao longo de vários pontos a redução das decisões contraditórias. Isso se dá no primeiro grau e isso se dá em sede de recurso. Daí porque a idéia de conexão, de continência, a idéia de recurso especial, recurso extraordinário; a idéia do incidente de uniformização em jurisprudência. Todas essas questões dizem respeito a evitarmos decisões contraditórias, diz respeito à padronização das decisões, a eliminação das particularidades, da qual a súmula é o elemento mais pujante dessa visão de fenômeno jurídico. A visão de súmula é o ápice de um mecanismo de restrição, ou homogeinização das decisões. Vamos verificar essa tendência e, claro, o aspecto pertinente a súmula e o poder de vinculação dessa súmula se coloca.
Mas, independente dessas questões, o litisconsórcio facultativo é uma possibilidade de evitarmos decisões contraditórias.
Falamos ainda na nova arte dos doutrinadores que tratam do assunto, eles abordam uma outra maneira de classificação que diz respeito à forma de tratamento. E como forma de tratamento, costumam eles mencionar o litisconsórcio unitário e o litisconsórcio simples.
O listiconsórcio unitário ele nasceu litisconsórcio em que para todos os envolvidos eu tenho que decidir num único sentido. Eu não posso ter decisões contraditórias para os respectivos integrantes da pluralidade da demanda.
Ao passo que no litisconsórcio simples eu necessariamente me libero dessa exigência. Ou seja, posso ter decisões em sentido contrário, inclusive improcedente para alguns, procedente para outros e procedente em parte para outros: ou seja, há uma multiplicidade. E isso por que? Porque o que nos faz pensar num litisconsórcio cujo tratamento destes pólos é idêntico é a natureza jurídica. Ou seja, é a mesma razão que nós verificamos no unitário. Então, conseqüentemente, todo litisconsórcio necessário por natureza jurídica será um litisconsórcio unitário.
Agora, as questões param por aí, porque podemos ter litisconsórcio necessário e simples e podemos ter litisconsórcio facultativo que é unitário e por que? Através de um exemplo isso se tornará mais claro. Nós podemos pensar no próprio disposto aqui no exemplo da usucapião: é um litisconsórcio necessário por força de lei; mas basta imaginarmos que em relação ao confinante D, não se conseguiu provar a usucapião, pelo contrário: em relação ao confinante B, este demonstra na instrução probatória que aquela parte alegada lhe pertence e cuja posse ele se encontra. Ora, nessa medida, então, nós teremos um litisconsórcio que é necessário, porém é um litisconsórcio simples. Por que? Porque nós temos a possibilidade de decisões diversas para cada integrante desse litisconsórcio.
Ao mesmo tempo podemos pensar em litisconsórcio facultativo, porém, unitário. Basta pensarmos, por exemplo: Rái e Lu são sócias de uma sociedade anônima e detém lá participação suficiente para a adoção de medidas que a lei das sociedades anônimas prevê na proteção dos minoritários. Tanto Rái quanto Lu podem propor isoladamente as suas ações judiciais, porque o Direito assegura a proteção à lesão ou à ameaça de lesão pelo Judiciário. Conseqüentemente, cada qual pode, sozinha, ir a juízo. Mas se imaginarmos a propositura dessa ação em litisconsórcio, será ele um litisconsórcio facultativo. Não precisamos também nos deparar com uma sociedade anônima; pensemos numa coisa mais singela, numa assembléia de condomínio: queremos a anulação da assembléia de condomínio, assim como Rái e Lu queriam a anulação da assembléia geral daquela determinada sociedade anônima. Se ação é proposta em litisconsórcio será ele facultativo, porém será unitário, porque ou eu anulo a assembléia para Rái e para Lu, ou eu não anulo a assembléia. Eu não posso anular a assembléia para uma e não anular para outra. Eu tenho que tratar essa questão de modo unitário, de modo que ambas terão aqui a anulação ou não. Não há a possibilidade de uma distinção nessa anulação. De modo que eu posso ter um litisconsórcio necessário simples, eu posso ter um litisconsórcio facultativo unitário. E todo o litisconsórcio que for necessário em função da natureza jurídica, será também unitário porque as razões aqui são as mesmas. Mas falo eu em poder de aglutinar e aqui em forma de tratar esses litisconsortes. Daí porque não são sinônimos. É claro que, 95% das vezes, nós vamos estar diante de um litisconsórcio facultativo que normalmente é simples; ou de um litisconsórcio necessário que normalmente também é unitário. É o comum das vezes. Mas essas relações diagonais nós podemos encontrar.
- Vamos pensar numa ação que, de início, fosse unitário. No caso a decisão é geral e, vamos dizer que tivesse mais de um advogado também nessa ação. Ela poderia se tornar simples, mesmo sendo uma decisão geral, mas só uma pessoa a ser beneficiada, ou ser beneficiada naquele momento, por aquele advogado ou os outros advogados também teriam se...
- Bom, vamos lá. Quando nós falamos de litisconsórcio nós temos de pensar no art.191, que nos dá o prazo em dobro. O benefício que nós temos, no que se refere aos advogados em si diz respeito ao reflexo na contagem do prazo. Porém, eu não tenho com litisconsórcio unitário se transformar em simples. Porque, o que acontece? O que determina essas classificações é algo que é prévio ao ingresso do Poder Judiciário. Ou seja, quando proposta a ação, eu tenho uma relação de direito material, eu tenho uma relação jurídica regida pelo Código Civil, pelo restou do Código Comercial ainda, pelo Código de Defesa do Consumidor, não importa, a questão aqui é o direito material. Eu tenho uma relação jurídica que é prévia ao conflito instaurado perante o Poder Judiciário e é essa relação jurídica que vai me dizer o quê? Se vai ser unitária, se vai ser simples, se vai ser necessária ou se vai ser facultativa. Ou seja, são os eventos fáticos que acontecem de modo prévio, não são opções: ah, eu quero que o meu litisconsórcio seja simples. Não. Se nós pretendemos anular a assembléia, eu sou autor, e a Lu e a Rái são também autoras, nós propusemos isso em litisconsórcio, eu não posso, pelas questões fáticos-jurídicas, querer a possibilidade de decisões díspares, diferentes.. Por que? Porque são aspectos que fogem à minha vontade. Ou eu anulo para todos, ou eu não anulo. Ou seja, não é algo que esteja no querer que seja unitário ou querer que ele seja simples, é algo que não está na minha alçada. É algo ligado aos próprios fatos que estão sendo postos a aferição e julgamento. Daí porque eu não tenho como um unitário se transformar em simples ou um simples se transformar em unitário como se pudéssemos manejar determinadas questões. Outras no processo eu posso, como por exemplo: eu sou réu. O foro apropriado seria o de Niterói, mas a ação foi proposta no Rio. É uma questão ligada à competência - competência territorial. Posso eu abdicar, por exemplo, de propor uma exceção de competência. Isso eu posso abdicar, porque isso está dentro da minha faculdade de agir, manejando os institutos processuais. Agora, isso diz respeito, na verdade, ao quê? À decisão e as razões que levam à essa decisão. Então, me parece, salvo melhor juízo que essas alterações não se colocam. Posso pensar talvez aqui em alterações no sentido de, se começarmos a imaginar algum evento natural com repercussões jurídicas como a morte de um dos membros da polaridade pode trazer alguma conseqüência, mas aí teriamos que parar um pouquinho para refletir sobre possíveis conseqüências.
- Só mais uma perguntinha. Vamos dizer que aí no caso, vou até complicar bem: eu tenho um processo que começou com um advogado, que substabeleceu outro e assim sucessivamente. Aí, um desses litisconsortes resolve contratar um advogado, sendo que este advogado que ele contratou conseguiu atingir mais um objetivo; e os outros continuaram parados. Aquele advogado vai ter que localizar todos estes litisconsortes para fazer uma nova procuração para todos eles...
Bom, vamos lá. Eu vou tratar dessa temática quando analisarmos a letra do Código, mas só para não deixar isso em branco. Pelo que você está me falando, então, isso tem cara de ser litisconsórcio facultativo. E nessa medida, isso independente de ser facultativo ou não, como litisconsórcio, nós vamos pressupor que cada parte atua autônomamente. Ou seja, se eu tenho esse litisconsórcio e uma das partes de um advogado mais diligente, mais preparado, mais capaz, que consegue determinadas posições, nós temos que analisar que posições são essas. Porque eu posso pensar o seguinte: imaginemos aqui, se em sede de apelação, os advogados das outras partes, relapsos, não recorrem; este recorre e consegue demonstrar que, aquilo que era pedido pelo autor, na verdade padece da decadência. Essa decadência fulminou o direito dele. Fulminado o direito do autor, isso aproveitará a todos. Se ele demonstra que a obrigação é nula: aproveita a todos.
Porém, se ele demonstra algo que lhe é individual, por exemplo: ele, na figura de réu, consegue demonstrar a ilegitimidade passiva. A ilegitimidade passiva faz que, para ele, tenhamos a aplicação do art. 267: encerramento do processo, sem julgamento do mérito em função de uma ilegitimidade. O que não significa que isso se aproveite a todos. Isso é uma qualidade particular dele. Essa parte, então, sai do litisconsórcio, com base no art. 267; o que não impedirá que os demais sejam condenados pelo art. 269, em função de algum fazer, deixar de fazer, dar etc.
Assim, temos que analisar o quê? O que foi decidido; ou mesmo se o litisconsórico é ativo os mesmos argumentos são aplicáveis. Você precisa analisar o que ele concedeu. E com relação ao advogado, podem eles ter o mesmo advogado ou cada qual ter advogado distinto, porque isso é uma faculdade de cada parte, dentro da sua esfera de autonomia da vontade, eleger aquele que será o seu patrono naquela respectiva causa. Se temos um litisconsórcio temos que pensar no prazo em dobro justamente pela possibilidade que nós temos de vislumbrar o acesso aos autos e a prática dos atos processuais.
- Mas toda essa decisão só vai ser tomada depois da sentença?
- Não necessariamente. Nós podemos falar disso aqui em tutela antecipada. Por exemplo: temos vários autores; então, porque a tutela antecipada foi conseguida para um e não para os outros? Temos aí que pensar sob vários prismas.
- O senhor falou, em anulação de assembléia, o que é litisconsórcio facultativo unitário ou ... Em assembléia de condomínio.
- Se for proposta a demanda em litisconsórcio ele será um litisconsórcio facultativo. Mas ao mesmo tempo será um litisconsórcio unitário. O que você deseja saber exatamente nesse particular?
Não, você falou que poderia ser dois tipos de litisconsórcio facultativo...
- Ah, talvez então eu não tenha me expressado adequadamente e, logo depois disso, eu emendei nas possibilidades em que eu tenho de classificar de modo diagonal, não apenas de modo horizontal. Ou seja, eu posso ter necessários simples e facultativos unitários.
E nós temos uma quarta forma de classificar, que a doutrina costuma apresentar que o momento do listiconsórcio. Por que? Porque nós vamos observar o litisconsórcio como sendo:
originário, ou seja, a relação já nasce em litisconsórcio; ou
posterior, também chamados por alguns como ulterior. Aqui, ela torna-se, no curso do processo, um litisconsórcio.
Então, pensemos, por exemplo, que eu posso desde já propor esta ação em litisconsórcio, ou propor uma ação em face de vários réus, porque nós teremos, então, desde o início um litisconsórcio. Ou eu posso ter algum evento posterior, algum evento ulterior que faça com que uma ação que surgiu sem multiplicidade de polaridades, adquira essa multiplicidade de polaridades. Basta pensarmos, por exemplo, na morte de um determinado co-autor dessa demanda. Então, se o autor parte dessa para melhor (ou ainda, para pior - nunca sabemos, temos de verificar como é que nós nos pautamos aqui, nunca sabemos como é que será o nosso destino), e ingressam aqui o seus herdeiros. Assim, eu tinha aqui uma ação sem uma multiplicidade de polaridades e que, num determinado momento, com o ingresso dos respectivos herdeiros, adquire a qualidade de litisconsórcio. Ou se eu tenho uma venda, por exemplo, inter vivos, dessa questão num processo de execução. No processo de execução permite-se litisconsórcio e, além de permitir-se o litisconsórcio, permite-se a própria substituição das partes. E tendo esta substituição, a venda inter vivos vai possibilitar que estes que sucedem inter vivos agora façam parte da própria polaridade da demanda. Isso é o que determina o art. 567, por exemplo:
“Podem também promover a execução, ou nela prosseguir (aí é que está: “nela prosseguir”):
.......
II - o cessionário,quando o direito resultante do título executivo lhe foi transferido por atos entre vivos;”

Ora, é possível que eu tenha mais de um cessionário, eu transfira algo para duas pessoas e, conseqüentemente, cada qual, na sua quota parte, poderá ingressar ou prosseguir naquela demanda. Então, aí eu tenho um litisconsórcio posterior, ulterior.
- Ah, não é o ordinário esse professor? Esse é posterior?
- Sim, o posterior; não o originário. Por que? Porque na origem ele é litisconsórcio. Quando eu tenho esses fenômenos em que se faça cessar uma das partes e uma pluralidade de partes ingressa, eu terei o litisconsórcio posterior.
Ou mesmo ainda, se eu tenho uma ação proposta em face B, e B, por exemplo, faz uma nomeação à autoria, ou faz uma denunciação da lide, ou faz um chamamento ao processo, como nós vamos ver, nós vamos verificar, pelo menos momentaneamente, o estabelecimento de um litisconsórcio, na nomeação à autoria, e vamos observar, também, o aspecto ligado à formação de litisconsórcio na denunciação e no chamamento.
Assim como nós podemos pensar na ação de A proposta em face de B. Vem, então, C e propõe em face de A + B, uma oposição. Assim, aquilo que antes era uma ação simples, vamos observar a formação de um listiconsórcio entre A e B na oposição. Mas adiante, quando analisarmos as intervenções de terceiros, nós vamos perceber isso de um modo mais detalhado.
E ainda podemos falar num litisconsórcio ulterior quando se fazem o que se costuma verificar no jargão forense de intervenção litisconsorcial. Isso é muito comum na parte tributária, por exemplo, quando alguém consegue um determinada liminar, por exemplo, e outros autores, como por exemplo: eu tenho aqui numa determinada demanda, a concessão de uma liminar ou de uma tutela antecipada e várias partes vêm, em momentos posteriores, pedir a sua adesão litisconsorcial a essa questão. Você tem, às vezes, a concessão de uma tutela antecipada e, na concessão dessa tutela antecipada, vários começam a se habilitar no pólo ativo, passando a figurar como autores. Alguns entendem que isso seria impossível, pois que violaria o juízo natural. Alexandre Freitas Câmara adora essas interpretações estapafúrdias. Ou, então, algumas posições um pouco mais inteligentes, um pouco mais interessantes que tratam mesmo da própria economia processual. A própria economia processual fazendo com que eu consiga, através do processo, dar a um maior número de pessoas, uma proteção em relação aquele que provoca uma determinada lesão de direitos.
- Professor, no caso que o sr. falou, uma anulação de uma questão de prova, isso aí seria típico, não é?
- Sim, em várias demandas de consumidor e questões ligadas a concursos públicos, coisas do gênero, também em questões ligadas à matrícula, além das questões tributárias, você tem muito esse fenômeno aqui; enfim, um consegue e, posteriormente, vários que pedem sua habilitação litisconsorcial ulterior.
- Não há prazo para isso, não?
- Entenda, isso é uma questão doutrinária e jurisprudencial, porque do ponto de vista eminentemente legal não há a disciplina disso. Aliás, vocês que têm de fazer trabalhos de fim de curso o ideal é vocês pensarem nesse tipo de temas. Por que? Porque são temas ligados a uma espécie de um vazio legislativo e, conseqüentemente, as lacunas elas são sempre muito mais interessantes de serem tratadas. Isso aqui é vácuo legislativo e que é resolvido, através da doutrina e da jurisprudência, ora admitindo, ora negando essa intervenção litisconsorcial, esse pedido de habilitação. Aqueles que negam argumentam principalmente em razão do juízo natural. Aqueles admitem, admitem principalmente em razão da economia processual que a medida comporta e, conseqüentemente, os benefícios contrapostos em nome da preservação do juízo natural, porque aqui nós estaríamos diante de um conflito de princípios e aí, no cotejo dos princípios, prevaleceria esta questão da economia processual para esse caso em específico.
O que veremos, então, na aula que vem: observaremos o CPC, como é que estão dispostos os artigos do CPC, como é que o Código apresenta essas idéias, essa teoria que nós colocamos, ou seja, desde o art. 46. Acredito que na aula que vem já lhes se apresentada a idéia da assistência, não apenas do ponto de vista teórico, mas também do ponto de vista legislativo. Quando chegarmos na petição inicial nós vamos fazer um pequeno resgate nos aspectos ligados à competência, algumas questões ligadas ao conflito de competência que pode se estabelecer e como é que isso deve ser argüído quando do rito respectivo para a estrutura do processo. E também vamos aproveitar para falar sobre isso um pouquinho mais quando falarmos da exceção de incompetência.
Então, meus caros, até terça-feira que vem. Um grande abraço.

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