Aulas Transcritas de Processo Civil
terça-feira, março 15, 2005
 
Aula do dia 09.11.2004
O nosso módulo é composto de 15 aulas a respeito de Processo de Conhecimento. E nós vamos buscar trabalhar nessas quinze aulas os pontos mais relevantes do Processo de Conhecimento. É claro que quinze aulas é um tempo muito diminuto para que possamos explorar em profundidade, ou, pelo menos, na profundidade desejada o Processo Conhecimento. O que vamos procurar fazer é nos prender a pontos mais fundamentais na estrutura do Processo de Conhecimento. Até porque o Processo de Conhecimento, como processo base, ou seja, como idéia fundante do próprio sistema, é de aplicação dispositiva para todos os outros meios processuais. Ou seja, o Processo de Conhecimento como um processo que guarda, que contempla uma problemática bastante detalhada, vai ser, nessa medida, a fonte na qual nós vamos a todo momento recorrer quando nos depararmos com determinados vazios legislativos nos outros campos, nas outras formas processuais.
Mas ao longo, então, dessas quinzes aulas vamos fazer uma abordagem, na medida do possível, também bastante prática do que nós temos como Processo de Conhecimento. E vamos reservar essa primeira aula para algumas reflexões de ordem mais geral a respeito do processo, porque precisamos ter, pelo menos nessa primeira aula, uma abordagem um pouco mais geral a respeito do Processo Civil.
Primeiramente, o processo não é lógico - o processo é retórico. Volta e meia nós observamos algumas pessoas falando sobre lógica em Direito, o que é um a verdadeira desgraça. O Direito não é, sob nenhum aspecto, lógico, o Direito é retórico. Porque a lógica é algo que pressupõe - e é um campo de estudo da Filosofia aonde vamos observar um meio de raciocínio, onde nós vamos observar uma forma de raciocínio aonde as regras da lógica vão ser dispostas e extraídas as verificações e conclusões. Mas a lógica não nos diz nada sobre os conteúdos. E, nessa medida, nós temos também algumas regras para que obtenhamos alguma coisa como sendo do pensamento lógico, o que não se aplica ao Direito. O Direito é, nessa medida, retórico, ou seja, nós trabalhamos com argumentos, trabalhamos com estruturas de pensamento. E essas estruturas de pensamento precisam ser compreendidas naquilo que poderíamos mencionar como sendo um sistema processual. Só que esse nosso sistema processual nos é transmitido, normalmente, de um modo muito equivocado. Esse sistema processual, normalmente nos é transmitido de modo eminentemente formalista, de modo emimentemente apegado à letra da lei, apegado ao aspecto gramatical da norma, sem que possamos pensar, sem que possamos refletir sobre todas as implicações desse sistema.
Vamos pensar a respeito da sentença e verificar, através da reflexão acerca da sentença, questões pertinentes a como nós estudamos o processo de um modo eminentemente positivo, ou seja, apenas e tão-somente decorando o que é processo, quando esse não é o fundamento, esse não o meio, esse não é o modo pelo qual nós temos que aprender o processo.
A sentença, nos diz o art. 162, § 1º, do Código de Processo Civil, “é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa”. Ora, nós temos o próprio paradoxo colocado pelo CPC, pois este, no art. 513, nos diz que da sentença cabe recurso. Ora, então, do ponto de vista da própria lógica, já está o Código a nos mostrar uma disposição ilógica, contraditória, porque não posso por termo ao processo se posso eu recorrer daquela respectiva sentença. Então, os aspectos ligados à conceituação positiva já não nos são adequados ou suficientes para perceber o conceito de sentença.
Pois bem, nós vamos observar, então, que alguns doutrinadores (se é que se pode chamá-los de doutrinadores) nos colocam outras definições, nos colocam, por exemplo, que a sentença é “o ato pelo qual o juiz cumpre e acaba o seu ofício jurisdicional”. Ah, que ótima frase, que coisa linda, que coisa maravilhosa. Essa vocês já conheciam, não é mesmo? Besteira: essa frase é uma besteira impressionante, essa frase é um “bestialógico” incrível. E por que? Porque basta que pensemos no art. 461 e no 461 A, do próprio CPC, que nos coloca a possibilidade das executivas lato sensu, e os aspectos pertinentes aos atos decisórios e, conseqüentemente, juridicionais, que são prestados a toda sentença para a implementação dos comandos desta mesma sentença. Então, nós vamos verificar que essa frase é uma frase vazia, é uma frase absolutamente inútil, uma frase absolutamente sem sentido quando comparado com os arts. 461 e 461 A. E quando vamos estudar recursos, por exemplo, quando nos deparamos com o agravo, com o estudo do mesmo, nós verificamos o quê? Que cabe agravo retido das decisões proferidas após a sentença, desde que não sejam elas decisões capazes de causar um dano eminente ou, que se refiram aos efeitos em que a apelação é recebida. Ora, então como, se eu posso proferir atos decisórios; como, se eu posso proferir comandos juridicionais, após a sentença, inclusive, ex-officio, determinar prisão, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras ex-officio; como, então, eu vou ter que a sentença é “o ato pelo qual o juiz cumpre e acaba o seu ofício jurisdicional ”? Só num livrinho do Alexandre Câmara mesmo, para ter esse tipo de “bestialógico”. Por que? Porque essa definição não corresponde ao critério de sentença. Basta que observemos esses artigos e basta que nós observemos, mais precisamente, as disposições referentes ao agravo, naquilo que se refere ao dispositivo do art.523, § 4º, que fala do agravo retido após as decisões, após a sentença.
Ora, temos que pensar então que, será os conceitos que lemos nos nossos manuaisinhos são realmente bons? Será que esses conceitos realmente correspondem a alguma forma de ciência? Será que o processo, então, que eu li lá naquelas páginas daquele livro com capa vermelha, letras douradas na lombada, dizendo “Do Processo”, corresponde a alguma questão ligada à ordem científica?
Vamos comparar essa frase com situações reais do processo. Eu tenho processo em que tenho três sentenças. Basta eu pensar no processo falimentar. No processo falimentar temos a sentença que declara a falência, temos a sentença que põe termo à falência, e temos a sentença que nos coloca a extinção das obrigações do falido, que não acabam na segunda sentença. Basta pensarmos na insolvência civil. A insolvência civil nos reserva três sentenças.
Nós temos processos com duas sentenças: basta pensarmos nas questões pertinentes à ação de prestação de contas, aonde eu tenho uma primeira fase, e nesta primeira fase será decidido o que? Se as contas são devidas ou não. Sendo devidas as contas, eu parto para uma segunda fase, aí aonde as contas serão prestadas.
Ora, eu tenho outros processos em que eu não sei dizer sequer o que é aquilo. Vamos a ação de consignação em pagamento, onde nós vamos observar o que? Na ação de consignação em pagamento está disposto algo que eu acho sensacional. Na ação de consignação em pagamento, mas precisamente nas questões pertinentes ao art. 898, na sua parte final. Diz-nos ele:
Quando a consignação se fundar em dúvida sobre quem deva legitimamente receber, (ora, sempre que estamos diante de um óbito, por exemplo, quando surgem vários herdeiros para receber; no pouco de experiência em advocacia, já verificamos que, no óbito, sempre surgem herdeiros prontamente solícitos a receber qualquer quantia em dinheiro; enquanto o de cujus está ali, ainda esfriando, deitado, os herdeiros já estão divergindo, já estão discutindo quem ficará com o quê.) não comparecendo nenhum pretendente, converter-se-á o depósito em arrecadação de bens de ausentes; comparecendo apenas um, o juiz decidirá de plano;(agora, sim, vem a parte que nos interessa) comparecendo mais de um, o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação, continuando o processo a correr unicamente entre os credores; caso em que se observará o procedimento ordinário. Ora, se nós temos, então, dúvida a respeito da estrutura de recebimento, nós vamos observar que, em certa medida, teremos a seguinte situação: “comparecendo mais de um (então nós temos o autor, que fez a consignação) o juiz declarará efetuado o depósito e extinta a obrigação (observemos que, após declarar efetuado o depósito e extinta a obrigação (prestem atenção neste dispositivo: extinta a obrigação) continuando o processo a correr unicamente entre os credores; caso em que se observará o procedimento ordinário. Ou seja, por que o processo segue apenas com réus, sem autor; por que o autor vai para casa; por que estou considerando o depósito realizado e estou dizendo que está extinta a obrigação? Ora, eu não posso perceber outra coisa, senão a possibilidade de coisa julgada, por que? Porque eu não posso emitir declarações provisórias, eu não posso dizer, em tutela antecipada, que A é filho de B. E por que não posso fazê-lo? Porque declarações são sempre definitivas, são pautadas em um juízo de cognição exauriente. Por isso que o processo não corre mais contra esse autor, por isso que ele vai para casa e o processo segue apenas com os réus. Mas que figura é essa e que decisão é essa? E dessa decisão cabe que recurso? Como é que eu considero feito um depósito e extingo uma obrigação por decisão interlocutória? Mas, ao mesmo tempo, se o processo segue apenas com os réus, que recurso eu interponho daqui se daqui ainda há o transcurso desse processo, ou seja, eu estou aqui no meio ainda, não foi ainda posto termo a esse processo.
Vamos observar, por exemplo, que eu tenho várias outras situações: eu tenho a disposição clara, inequívoca, no Código de Processo, de que a reconvenção deve ser decidida por sentença. E quando essa reconvenção é extinta liminarmente, por inércia? Que decisão é essa? Quando nós trabalhamos, por exemplo, a exclusão dos litisconsortes, o parágrafo único do art. 46, por exemplo, eles nos diz que o magistrado pode limitar o número de litisconsortes. Ele pode fazê-lo quando esse número dificultar a defesa. Então, vamos imaginar que temos aqui, dez litisconsortes. O magistrado diz: não, simplesconsortes, dez é demais, vamos eliminar cinco. Primeira pergunta: qual seria o critério para essa eliminação? Sorteio? “Minha mãe mandou escolher esse daqui”? Os cinco primeiros da petição? Os cinco últimos? Os mais novos? Os mais velhos? Ou, diante da lista, elimino um, mantenho o seguinte, mantenho o próximo, elimino o subseqüente etc.? Qual o critério? A lei não me dá critério. Depois, qual o destino dos excluídos? Eu vou enviar a livre distribuição? Eu vou enviar a distribuição para que os autos retornem e sejam julgados conexos? Eu vou simplesmente excluí-los, e fim? Ora, mas se eu vou simplesmente exluí-los e fim, eu estou acabando para eles o processo, e eu não estou acabando por nenhuma razão elencada no art. 267, ou no art. 269, do CPC. Então, qual a base legal para isso? E se eu não sei o que é isso, eu também não sei outra coisa: qual o recurso cabível. Porque eu só sei qual o recurso cabível a partir do momento em que eu tenha a exata definição de que tipo de decisão é aquela.
E o processo monitório? Nós temos diversas teorias a respeito da natureza jurídica do provimento do processo monitório. Ora, nós vamos observar que no processo monitório, de acordo com o disposto no art. 1102 e seguintes: não contestada essa disposição (que na linguagem do Código, equivocadamente, recebe o nome de embargos, porque, na verdade, se não há nenhuma disposição ligada a garantia do juízo, bem como a defesa é endoprocessual, isto é, se dá no próprio processo, eu não estou, em verdade, embargando; porque a denominação embargo sempre cria nova disposição, pelo menos quando estamos na estrutura de um primeiro grau e não em sede recursal; nós vamos observar que nas disposições do art. 1102 e seguintes, a expedição do mandado de pagamento, prevista no art. 1102 B, e no 1102 C, merece essa resposta por meio dos embargos. E não sendo opostos esses embargos, constituir-se-á de pleno direito o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo. Ora, nessa medida aqui, então, surgem em torno do art. 1102 C as mais variadas disposições: desde o Ernani Fidélis, por exemplo, nos dizendo que é mero despacho; até outros doutrinadores nos colocando, por exemplo, as questões ligadas a decisão interlocutória, nos dizendo a respeito de sentença, nos dizendo até a respeito de uma bizarra sentença interlocutória.
Estamos refletindo sobre isso para pensarmos o quê? Qual é o critério de sentença. Depois de tudo isso, me parece que a única conclusão razoável é a seguinte: reconhecermos que essas questões são baseadas na mera opinião de doutrinadores. Por que? Porque vamos verificar que não há um critério legal para a construção científica daquilo que venha a ser sentença. E o que mais me espanta é que verificamos aí, os doutos, falando com convicções absolutas; observamos por aí, nessas palestras, e nesses artigos, e nesses livros como se o que eles colocassem fossem verdades inexoráveis, fossem disposições absolutamente indenes de dúvidas. Mas é claro que eles estão errados, porque eles nos colocam algo como se fosse certeza. Observem que nos temos doutrina aonde? Nós temos doutrina em assuntos de fé, em assuntos de Direito, meus caros. A física não tem doutrinadores, a biologia não tem doutrinadores, a matemática não tem doutrinadores; a própria sociologia, a história não têm doutrinadores. Nós estamos tão impregnados de uma maneira dogmática de entender o Direito, ou seja, de uma maneira tão doutrinária de compreender o Direito, que não conseguimos sequer exercer um raciocínio crítico sobre os textos que lemos. Nós passamos cinco anos numa Faculdade de Direito, entramos cheios de idéias, e saímos de lá bestializados de gravata; propondo ações judiciais para que sejamos chamados de “doutor”. Vejam lá, no jornal O Globo de hoje, aquele juiz em Niterói, que ingressou com uma ação judicial para obrigar os condôminos e o porteiro a lhe chamar de “doutor”, alegando que ele não é um “cidadão comum”...
Então, nos temos doutrina em assuntos de fé e nós temos doutrina em direito. E eu me recuso a trabalhar em termos doutrinários. Por que? Porque trabalhar em termos doutrinários significa trabalhar o direito como um dogma de fé. Mas a postura correta, a postura científica é a postura da crítica, é a postura da argüição, é a postura da tentativa de descobrir novas explicações; explicações que venham a derrubar as teorias postas. Observem que, enquanto em todas as outras ciências eles olham para o futuro, o que é que nós fazemos? Primeira dificuldade que temos: olhamos para trás, olhamos para Roma. Todos olham para frente, nós olhamos para Roma. Ora, é importante estudarmos Direito Romano sim, mas não para encontrarmos lá as nossas soluções; mas sim para compreendermos o porquê de determinados problemas que até hoje enfrentamos. Basta pensarmos que no Código de Processo Civil nós falamos em hasta pública; nós falamos em maior lanço. E isso por que? Porque na frente do Fórum romano cravava-se uma lança e aquele que queria comprar os bens na praça, que ficava em frente ao Fórum romano, encostava naquela lança e gritava: ele estava a dar o seu lanço. Mais de dois mil anos depois, no nosso Código de Processo Civil, está lá que nós vamos levar os bens à praça e os arrematará aquele que der o maior lanço. Então é importantíssimo compreendermos o Direito Romano, mas não, meus caros, não para encontrar soluções, mas perceber a origem dos problemas, para perceber a origem das dificuldades - e não para encontrar soluções. A sociedade romana era completamente diversa da nossa, era uma sociedade com uma estrutura sociológica que enfrentava imensos problemas - mas problemas de ordens e magnitudes diferentes dos enfrentados pela nossa sociedade. E eu me recuso a decorar o que é sentença pela lição de meia dúzia. Eu prefiro pensar, eu prefiro observar as implicações do sistema.
Vamos nos lembrar daquelas aulinhas de Introdução ao Direito. Vamos observar que a relação jurídica é composta de que? A relação jurídica é composta de um sujeito ativo, que chamamos credor. A Teoria Geral do Direito ao apresentar a noção de relação jurídica, ela compõe esta estrutura através do Direito Privado. E ela surge por volta do século XVIII, se aprimora no século XIX, por que? Porque no século XVIII já tínhamos a Revolução Francesa e precisavamos de uma teoria jurídica que nos explicsse porque homens livres - claro, agora, depois da Revolução Francesa, todos são iguais perante a lei e, precisamente por isso, precisávamos de uma teoria jurídica que nos explicasse como homens livres, num ambiente privado, devem necessariamente se submeter a obrigações. Então, século XIX, segundo a teoria geral do Direito, o sujeito ativo é o credor da obrigação; sujeito passivo é o devedor da obrigação. Vamos observar que eu preciso ainda de um objeto lícito; e a relação jurídica se estabelece com o vínculo de atributividade. Ora, o que é o vínculo de atributividade? Ele vem a ser a possibilidade de coerção que o sujeito ativo tem sobre o sujeito passivo, de modo a coagí-lo a fazer, deixar de fazer ou dar. Lembraram-se dessa liçãozinha de Introdução do Direito? Mais ou menos? Mas relação jurídica é isso: eu preciso ter os quatro elementos da relação jurídica. Em qualquer livrinho de Introdução ao Direito tem isso.
Quando é que surge o processo, do ponto de vista moderno, como teoria processual moderna? Século XIX, através da obra de Oscar von Bülow, Teoria das Exceções processuais e os Pressupostos Processuais, inclusive reeditado recentemente. E verificamos o quê? Oscar von Bülow, na metade do século XIX, ele, ao conceber esse livro nos dá a autonomia teórica do processo, e nos faz perceber que o processo é distinto da relação jurídica material. E aí, como no século XIX, ele explica o processo. Ele explica o processo como inexoravelmente se pensava no século XIX, explica o processo como sendo uma relação jurídica processual, mas vulgarmente conhecida como relação processual.
Como é o seu nome?
- Marta.
- Marta, você ingressa com uma ação e eu sou o réu. Eu sou citado e aí passam-se os quinze dias e eu não contesto. Eu não quero contestar. Não é porque eu não tenha tido a oportunidade de contestar; é simplesmente porque eu não quero contestar. Você pode, Marta, me obrigar a contestar?
- Não.
- Você tem vínculo de atributividade sobre a minha conduta?
- Não, só aguardo uma resposta.
- Outra situação: cinco dias para anexarmos a prova. A prova está aqui, mas eu digo: eu não quero anexar. Vou deixar aqui, não vou anexá-la aos autos. Você, como magistrado, tem vínculo de atributividade para me ordenar a anexar a prova, se a prova é minha?
- Não.
- Claro, se eu estou com algo indevido, busca e apreensão etc., aí já é outra história. Mas a prova é minha, eu não quero provar. Você, magistrado, tem a possibilidade de me coagir a anexar a prova?
- Acho que não.
- Eu tenho certeza.
- Então não.
- Você pode me coagir a responder, me impondo a necessidade de agravar e de apelar?
- Não.
- Por que? Porque não existe, meus caros, o quarto elemento: vínculo de atributividade. E, conseqüentemente, se eu não tenho o vínculo de atributividade, não existe o quê? Relação. Claro, o vínculo de atributividade é um elemento essencial do conceito jurídico de relação jurídica. Se eu retiro um desses elementos eu não tenho relação jurídica. Se eu retiro, por exemplo, o sujeito ativo - eu não tenho relação jurídica. Se eu o sujeito passivo, eu não tenho relação jurídica. Se eu retiro o quê? O objeto, os sujeitos ativo e passivo se relacionarão em relação ao quê? Nada. E se eu retiro o vínculo de atributividade, eu não tenho relação jurídica. Logo, nos diz Rosemiro Pereira Leal - aliás, faço votos de que todos vocês leiam as obras de Rosemiro Pereira Leal -Estudos Processuais Continuados - seis volumes. Porque ele rompe com todos esses paradigmas. Ele raciocina o processo, que pensa o processo, e se nega a simplesmente decorar essas besteiras que andam por aí. E nos diz o Rosemiro Pereira Leal: se eu não posso obrigar o sujeito a contestar, se eu não posso obrigar o sujeito a provar, eu não posso obrigá-lo a agravar, a apelar, a sequer executar a sentença que lhe foi dada - ele não será coagido. Ele pode ser consignado, mas nada o obriga a executar. Ele pode ser consignado, pelo art. 570, do CPC, mas não alguém coagí-lo a fazer. Significa, então, segundo Rosemiro Pereira Leal, que o conceito de relação jurídica processual é falho e, conseqüentemente, não existe a relação processual. Você tem relação jurídica, no âmbito do Direito Privado, como sempre foi um conceito do âmbito do Direito Privado e qualquer livro de Teoria Geral do Direito coloca a relação jurídica no âmbito do Direito Privado. Quando você vai à Filosofia você verifica a origem disso na explicação da coerção mediante a liberdade: como coagir alguém juridicamente livre - era um desafio no século XVIII. Então vamos observar que Rosemiro Pereira Leal nos diz que o processo não é relação jurídica processual; ele nos diz que o processo é um conjunto de garantias constitucionais - e não uma relação. Isso tem implicações teóricas profundas, meus caros. Por que? Vamos observar a seguinte questão: vocês já devem ter escutado essa frase, quando dos primeiros passos do Processo Civil, Teoria Geral do Processo, livrinhos de Ada Pellegrini e coisas do gênero. A frase é a seguinte: o processo é o conjunto e o procedimento é a externalização do ato. Alguém consegue entender alguma coisa nesta frase? Não. Por que? Porque ela é uma frase imbecil, ela é uma frase completamente idiota, que não me diz absolutamente nada. Qual é a diferença científica que você extrai dessa frase? Nada, não há como diferenciar nesta frase, que é dita por Cândido Dinamarco & Cia Ltda., o que é, cientificamente, processo e o que é, cientificamente, procedimento. Tentem: peguem esta frase, que está em todos esses livrinhos e tentem, efetivamente, construir alguma diferenciação produtiva para a conseqüente teoria do processo. “O processo é o conjunto de que os atos, isoladamente, são o procedimento.” Qual é a diferença disso? Qual é a implicação teórica disso, meus caros? A implicação teórica disso é de que, numa terminologia confusa, o discurso abre grandes margens, grandes brechas, para uma estrutura autoritária da visão processual. Por que as reformas processuais estão sendo conduzidas da forma que estão? Observem que temos uma estrutura pleiteada agora que, ao invés de alargar a base, o que faz? Concentra numa cúpula a possibilidade de disparar súmulas vinculantes. Todo o discurso é feito, única e exclusivamente, em cima da questão recursal - eliminação de recursos. Todos os aspectos pertinentes dizem respeito ao aumento do poder do juiz. Nada se fala de democratização efetiva das estruturas do poder judiciário. Por que? Por que naqueles livrinhos do Luiz Guilherme Marinoni, ele diz que os recursos protelatórios devem ser apenados violentamente? Sabem o que nos diz o Rosemiro Pereira Leal? Algo completamente inverso: ele nos diz que se um recurso lhe é dado pela lei, não pode um magistrado, pelo seu livre arbítrio, dizer que ele é protelatório - porque a lei não me dá nada protelatório. Ora, vamos observar, então, que são concepções, são modelos de pensamento que partem de matrizes diferentes. Enquanto que um modelo de pensamento é um modelo que raciocina o processo por uma matriz autoritária, o outro modelo de pensamento raciocina o processo por uma matriz democrática. Vamos observar que naquele livrinho da Ada Pelegrini Grinover, do Cândido Dinamarco e José de Araújo Cintra, intitulado Teoria Geral do Processo, ali, no final da primeira página está disposto, então, que Robinson Crusoé encontra o índio Sexta-feira e, então, agora, como eles estão na ilha - convivendo - há a necessidade de normas jurídicas. Sabe o que não é dito naquela obra da Ada Pellegrini Grinover? Que quando o Robinson Crusoé encontra o índio Sexta-feira, este não se chamava Sexta-feira: é ele, Robinson Crusoé, branco, louro, de olhos azuis, europeu, ocidental que impõe algo àquele indivíduo, àquele ser humano uma nomenclatura e o nomeia de índio; e o nomeando de índio também lhe diz que ele se chamará Sexta-feira, esquecendo-se da história de vida daquele homem, esquecendo-se das tradições daquele homem, esquecendo-se de toda a composição humana daquela pessoa. Ou seja, nessa pequena passagem, esqueceram de dizer que eu estou diante do quê? Da dominação, que eu estou diante de uma relação de poder, que eu estou diante de uma relação de usurpação: eu, Robinson Crusoé, branco, ocidental, louro, digo quem é inferior. Isso está na primeira página do livro. Não tem nada de Robinson Crusoé, meus caros, o Direito não é isso, o Direito é relação de poder - como eu posso lhe matar e ainda assim ter a legalidade. Todos esses livros bestialógicos dizem que o Direito é uma forma de composição de conflitos. Ora, em 1549, quando Pero Borges chegou ao Brasil, para montar a estrutura do poder judiciário brasileiro, como Ouvidor-Mor, na caravana de Tomé de Souza, existiam índios aqui, e eles trouxeram negros, escravos; o Direito estava aí e o Poder Judiciário estava aí montado pelo sr. Pero Borges, nosso primeiro Ouvidor-Mor, que era um cargo equivalente a ministro da justiça mais o cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal. E aonde estão os resquícios da cultura indígena ou da cultura negra no nosso sistema jurídico? A única coisa que fizemos foi matar e espoliar, a única coisa que nós fizemos foi dizimar essas pessoas. O Direito ele serve numa relação de poder para realizar o quê? A espoliação, para matar, para coibir, para tirar. E aí vem o sujeito e me diz que o Direito serve para a composição de conflitos! Meu Deus, como esse mundo é cor-de-rosa e eu não tinha percebido! Que coisa bonita que é o Direito desse sujeito!
Que composição de conflitos o quê, meus caros? Em que país nós estamos? Dados estatísticos do IBGE nos mostram que quem ganha R$700,00 por mês é classe média!
Vamos observar, então, que eu tenho dois modos de raciocinar o Direito - e principalmente processo. Porque o processo é o ápice desse processo de dominação.
Direito probatório - olhem que coisa linda! Você é a General Motors, eu sou esse baixinho aqui, que comprei um Celta, em 36 prestações. O que nós lemos no art. 333? Cabe ao autor demonstrar o fato constitutivo do seu direito; cabe ao réu demonstrar um fato impeditivo ou modificativo do direito do autor. Meu deus, o Código foi escrito quando? Em 1973. Ora, até hoje a regra probatória do Código de Processo está pautada no art. 333, que desconsidera a realidade. E quando desconsideramos a realidade quem você está protegendo, meu caro? O mais forte ou o mais fraco? O mais forte. A regra probatória do art. 333 é pensada não à luz do aspecto sociológico da estrutura social. Então ela se apresenta como neutra, mas mostra-se na prática tremendamente perversa. Por que? Num país de analfabetos a regra é a da revelia. Se estivéssemos nos países nórdicos - Suécia, Noruega, Finlândia, Dinamarca - o art. 319 faria muito sentido: se o citado não comparece em quinze dias, é dada a revelia. A maior parte da população brasileira é ou analfabeto total ou anafabeto funcional. Ou seja, ao receber uma citação, sequer sabe identificar ou perceber o que significa aquilo. A regra da revelia não é pensada à luz da realidade social. É claro que nós precisamos de algum tipo de mecanismo de revelia, se não o processo não vai a frente. Então, ninguém está dizendo que não deve haver revelia. Mas percebam que a revelia, posta da forma que está ela privilegia quem? Ela privilegia quem sabe ler e escrever. E quem sabe ler e escrever neste país e compreender a dimensão do que é o respeito ao prazo processual e à idéia abstrata de uma revelia? Um contingente muito pequeno da população, meu amigos. Mas é claro que quando você estuda na Faculdade por esses livrecos, e com essas notícias e com essas informações que os professores passam, fica fácil você acreditar que o Direito é neutro. Mas o Direito, meu caros, não é neutro: o Direito está a serviço muito claro de uma determinada classe social.
- Assim como o Poder Judiciário e o agente dele também.
- Eu dou gargalhadas todos os dias de manhã. Quando eu acordo um pouco depressivo, eu entro no site do Poder Judiciário e tem uma piada logo de manhã: “missão do Poder Judiciário: resolver os conflitos de interesses que lhe sejam levados pela população, garantindo as liberdades, assegurando os direitos e promovendo a paz social.”
- Que beleza!
- Bonito, hein!
- Traz lágrimas aos olhos!
- Site do Poder Judiciário. Que paz social? Compare o processo civil com o processo penal. É muito mais fácil você colocar um pobre na cadeia do que cobrar uma dívida. Por que? Porque os ricos não pagam dívidas, os pobres pagam. Os pobres são os melhores pagadores. Por que as Casas Bahia cresce da forma que cresce? Porque vende para pobres. Os pobres são os melhores pagadores. Quem não paga? O rico. E, principalmente, quem não paga? O próprio governo. O governo se utiliza do processo e da lentidão do processo para não pagar. Por que? Porque a própria estrutura do Poder Judiciário demonstra isso. Site do STJ, lista dos vinte maiores litigantes: desta lista, dezoito são do próprio governo. Ou seja: a quem interessa a lentidão do Poder Judiciário? Então, nós vamos observar que as questões elas são muito maiores, elas são muito mais profundas do que essa mera decoreba.
Eu tenho certeza de que vocês já leram a seguinte frase: “o processo civil busca a verdade formal e o processo penal busca a verdade real”. Verdade vem do latim veritas, que significa “afirmação de um fato”. Ou seja, verdade não tem relação com a coisa em si, mas com a narrativa da coisa em si. E não poderia vir do grego, pois em grego é aletéia, que significa desvelar.
Art. 319. Eu contestei em quinze dias e meio. Que bruta busca da verdade é essa que por quinze dias e meio eu vou reputar verdadeiros todos os fatos alegados na petição inicial? Quem é um biológo, quem é um farmacêutico que está em busca de uma determinada vacina, está em busca da cura do câncer ele está buscando a verdade. Nós, por quinze dias e meio, ou seja, na verdade por meio dia, jogamos toda a busca da verdade na lata do lixo, meus caros. Nós não estamos buscando a verdade, não vamos ser hipócritas. Nós precisamos da revelia, sim, claro que precisamos da revelia, mas não precisamos ser hipócritas em dizer que o nosso compromisso é com a verdade.
Preclusão temporal. Eu tenho cinco dias para anexar essa prova. Se eu conseguir anexá-la toda a questão estará a meu favor, eu consiguirei demonstrar que o bom direito está do meu lado. Anexei quando? No sexto dia; o que o juiz vai despachar? Desentranhe-se. Não, mas a prova é fantástica, meu caro, basta você observá-la. Desentranhe-se: preclusão temporal.
E a coisa julgada? A coisa julgada é o ápice desse processo, aonde eu torno indiscutível a coisa. Ora, basta observarmos isso meus caros, para percebermos que o compromisso é com a - estabilidade - e não com a verdade. Se você conseguir no meio do caminho um pouco de verdade, vai ser como achar uma azeitona na empada. É um plus, é um prêmio. Porque o objetivo é a empada em si, a a empada em si é o quê, meu caro? A empada em si é a estabilidade. Nós somos hipócritas ou ingênuos ao achar que o compromisso do processo é com a verdade. Mas não é com verdade. Nos precisamos da revelia, claro que sim; nós precisamos da preclusão, claro que sim; nós precisamos da coisa julgada, claro que sim. São institutos fundamentais e nós precisamos de todos eles. Mas, eu estou sendo realmente hipócrita porque a busca da verdade é a antítese do compromisso com a estabilidade. A busca da verdade é absolutamente contrária ao compromisso com a estabilidade. Então, o que nós lemos de mentiras, o que nós lemos de hipocrisias, o que nós lemos de mera doxa - em filosofia se fala muito em doxa, em comparação ao logos: este, o discurso racional, em oposição àquela, a mera opinião. O que lemos de mera doxa, mera opinião em relação ao processo, mas com ares sacros, de uma verdade revelada. A própria noção de hermenêutica que nos passam - liçõesinhas de Carlos Maximiliano. Primeiro que o Carlos Maximiliano escreveu aquilo no século XIX. Hermenêutica, por Carlos Maximiliano: um tiro na cabeça talvez seja melhor. Por que? Porque aquelas regras hermenêuticas e aquelas questões já estão superadas pela semiótica, pela filosofia analítica - a construção e análise da linguagem em modos completamente distintos.
Minha cara, o que é uma jóia falsa? É uma bijuteria verdadeira. A verdade não está na coisa em si, mas naquele que olha. Por que? Porque uma jóia falsa é uma bijuteria verdadeira. A verdade está nos meus olhos, e não na coisa. Sou eu que, através da atribuição de sentido, construo o valor da norma.
Nós vamos observar que a Constituição dos Estados Unidos da América está vigente há mais de duzentos anos. E nesses duzentos eu fiz o quê? Eu fui do aspecto absolutamente hediondo, da escravidão, aonde negros foram reduzidos a coisa; passei, com base nessa mesma Constituição norte-americana, por um sistema oficial de segregação racial; nos anos sessenta eu comecei a observar a luta pelos direitos civis. Lembrem-se que até 1960 os negros não votavam nos EUA. Que democracia é essa? É o nosso modelo. É o nosso modelo, claro. Importamos de lá, o american way of life. E agora o que estamos vendo naquele próprio país, nos EUA? Um recrudescimento dos direitos civis e das liberdades. Ou seja, nós vamos observar que mudou o quê, ao longo dos duzentos anos? Mudou a lei, ou mudou a forma de interpretar a lei? A forma de interpretar a lei. Porque a lei não nos traz, ela em si, de per si, um significado, como esses positivistas querem fazer crer. Olhem a imagem mítica do legislador: o legislador é deus, meus caros. Ele não coloca palavras inúteis na lei, o legislador não erra - quantas vezes já escutamos essa frase? E quem é o legislador? Antônio Carlos Magalhães! Jáder Barbalho! São os parlamentares. E aí você tem uma lei que é feita por Jáder Barbalho e Antônio Carlos Magalhães e que é julgada pelo sujeito que propõe a ação para ser chamado de “doutor”! E ainda obtém um outro mais louco que lhe concede uma liminar! Vejam que aberração! Se fosse aquele, isoladamente, meus caros, tudo bem, você compreenderia: é um louco, tem de amarrar num poste, debaixo do sol quente; quando der meio-dia, ele vai amolecer, aí poderá ser solto e posto de novo lá na vara para julgar. Mas não: esse louco encontrou outro louco para julgar e conceder uma liminar. Eu queria saber como se aplica essa liminar. E se eu chamar de “dotôzinho”, funciona ou não?
- Tem multa diária...
- “Dotôzinho”, “Dotôzão”, “dotô”, vale? Ou só se for - “doutorrrr”? E eu queria saber mais: qual a base legal que esse outro juiz deu a fundamentação? E eu também gostaria de saber onde está o periculum in mora desta causa?
- A OAB está contestando.
- A OAB estabelece uma relação absolutamente promíscua com o Poder Judiciário. Na verdade a estrutura legal deve ser alterada, porque misturar a OAB e o Poder Judiciário é algo terrível. A Constituição erra nesse ponto, porque a OAB deve funcionar como um fiscal, e como alguém que indica fiscalizará? A OAB indicar o quinto constitucional é algo que, inexoravelmente, faz com que haja uma relação em proximidade, e não uma relação de afastamento e fiscalização. Então, a OAB, constitucionalmente, não deveria indicar ninguém, isso deveria ser atribuição de outros poderes ou de outras instituições, mas não da OAB. Porque isso faz com que a própria OAB perca, num certo sentido, em certa intensidade a sua isenção para fiscalizar.
- Poderia ser o contrário também. A OAB e o MP indicarem para a magistratura e acabava com o concurso para a mesma.
- Em outros países é assim. O livro do Dalmo de Abreu Dallari traz uma lista de mais de cem formas que ele catalogou nos mais diversos países a respeito do meio de escolha dos magistrados. É que nos raciocinamos e achamos que o nosso meio existente aqui no Brasil é o único existente no mundo. Não, pelo contrário: o nosso sistema é uma exceção no Direito Comparado. Nós não somos os melhores. Os meios de escolha dos magistrados são os mais variados. O livro do Dalmo de Abreu Dallari, O Poder dos Juízes, eu aconselho a quem quer fazer uma abordagem, ter alguma visão a respeito de um sistema comparado, pois o seu autor faz uma série de reflexões a respeito do modo de escolha e seleção de magistrados. E mostra que o modo brasileiro é apenas mais um dentre centenas.
- Professor posso lhe fazer uma pergunta?
- Por favor.
- O senhor quando estava na graduação o senhor pensava dessa maneira?
- Mas é claro que não.
- Em que momento o senhor passou a pensar dessa maneira que o senhor pensa hoje.
- Eu não saberia precisar. É claro que ter feito Filosofia me ajudou muito, ter feito Sociologia também me ajudou muito; ter feito Mestrado em Direito não me ajudou muita coisa, porque, entenda, enquanto não saimos do paradigma jurídico e estuda sob o molde a cabeça desses juízes oficiais; porque você encontra o Rosemiro Pereira Leal,você encontra o Processo Constitucional, do Baracho, da Editora Forense; você encontra o Haroldo Plínio Gonçalves, onde ele faz a distinção entre técnica processual e direito processual; e ele também fala da inexistência de uma relação processual. Por que? Porque quem começou a fazer essa crítica e demonstrar que não existe uma relação processual foi um jurista mexicano, chamado Ficks Zanúdio e um jurista italiano, chamado Élio Pazzalari. Estes lançaram as bases para que esse pessoal - o Rosemiro Pereira Leal, o Baracho, o Haroldo Plínio Gonçalves começassem a desenvolver no Brasil, uma linha de raciocínio a respeito do processo completamente distinta do discurso oficial, uma linha de raciocínio democrática do processo. Para esses autores eu não tenho essa besteira aqui: Liçõeszinhas de direito processual - primeiras lições: juridição, ação e processo. A jurisdição é um poder dever do Estado emprestar a tutela juridcional. A ação é o meio pelo qual nós provocamos a jurisdição. E a juridição, então, é prestada mediante as regras do processo. Para aqueles autores, isso é besteira total, porque o processo como garantia constitucional ele não está na mão da jurisdição, ele não é instumento da jurisdição. Porque a juridição é prestada com ou sem processo. Quando a Alemanha nazista mandava os judeus para a câmara de gás; quando a Inquisição queimava aqueles que considerava bruxos; quando o Poder Judiciário, de então, mandava à forca os negros que fugiam, estava prestando o quê? Jurisdição, porque estava dizendo o direito. Era dito o direito,o direito estava sendo ali juris dictio, estava sendo proferido. Mas não havia processo; havia procedimento, mas não havia processo. Para Élio Pazzalari e toda essa linha democrática do processo, o processo como garantia constitucional ele está na mão de quem? Ele está na mão da parte, ele é um escudo, ele é uma defesa, ele é a própria garantia da parte contra ou em face dessa estrutura de poder que é a jurisdição. Porque a jurisdição sempre existiu, desde o pretor romano nós temos jurisdição - o Iudex Romano dizia o direito. Agora a idéia para eles de processo é muito recente. É uma idéia recentíssima, da Segunda Guerra Mundial para cá. Porque, dizem eles, antes o que nós tínhamos era procedimento. E em suma, qual a definição de Elio Pazzalari para processo? Ele diz o quê? Processo é procedimento em contraditório. Por que? Porque quando eu digo que processo é procedimento em contraditório, o contraditório não é apenas e tão-somente um principiozinho do processo - nós vamos estudar “princípios do processo” - aí vem lá o sujeito: princípio do contraditório e da dupla defesa. Não, para Élio Pazzalari, para o Baracho, para o Rosemiro Pereira Leal, Haroldo Plínio Gonçalves o processo não é um conjunto ad princípios; processo é o procedimento em contraditório. Ou seja, a idéia de contraditório é a idéia fundante do processo. Só é processo na medida em que é em contraditório, porque do contrário - é procedimento. E aí é que se verifica, então, a possibilidade de identificar quando o magistrado está sendo arbitrário e quando devemos anular um ato. Isso não é mero jogo de palavras, isso tem repercussões práticas na Teoria das Nulidades Processuais. Quando você vai raciocinar as nulidades, quando você vai anular um ato. E ao dizer, então, que o processo é procedimento em contraditório, o contraditório não é mais um dentre vários princípios: o contraditório é a essência. Porque procedimento eu tenho em vários campos da atividade humana: procedimentos cirúrgicos, por exemplo. Agora, o procedimento em contraditório é aquele em que as partes, participando desse contraditório, fazem desse processo algo democrático. E,conseqüentemente, influenciam na produção e no resultado desse procedimento. E nesta medida, com essa visão radicalmente democrática do processo, você , ao se deparar com os casos concretos, extrai conclusões que, obviamente, serão diferentes das conclusões de quem raciocina pelo prisma, por um viés arbitrário que só faz querer, em nome de uma celeridade, que - vamos aqui a um parentese: celeridade todos querem; é óbvio que todos querem celeridade, mas a que preço? A que custo? Passando por cima de que garantias? É isso que não é refletido. Você liga no canal da TV Justiça só tem lá a Ministra Ellen Gracie, o Ministro Marco Aurélio e todo mundo repetindo que tem que acabar com os recursos, tem botar a súmula vinculante, tem que...; mas a que preço? A que custo? Qual celeridade? O Bush está soltando mísseis em cima de Fallujah, hoje, agora, em nome da liberdade e da democracia. Agora, nesse exato momento, tem gente morrendo em nome da democracia - porque Bush vai levar a liberdade aos bárbaros iraquianos. Entendam: simplesmente falar - em prol da celeridade; temos, antes, que indagar: que celeridade? Alto lá: qual celeridade? Vamos discutir antes - o que é celeridade. Mas, não: absolutamente nada disso está sendo feito.
- Eu quero discordar dessa assertiva aí de que só há processo quando há contraditório como fundamento básico. Uma ação declaratória não tem contraditório. Se a pessoa sequer tem o direito de não se pronuciar não tem contraditório, mas não deixou de ser processo.
- Contraditório implica a idéia de oportunidade. Ou seja, eu não posso lhe obrigar, mas há que se ter a oportunidade. Se você quer exercê-la ou não é uma faculdade que lhe assiste. Se você quer exercitar ou não é uma faculdade que deve ser colocada. Mas o que não é possível é retirar-se a oportunidade. A noção de contraditório está não no seu resultado, no sentido de que só há quando da contradita. Mas sim quando da oportunidade de contradita. Ou seja, na hipótese em que eu percebo que foi oferecida a possibilidade de contraditório. Agora, se não foi exercido é uma faculdade da parte e ela sofrerá os ônus de não exercer esse contraditório.
- E a ação declaratória, deixou de ser um processo?
- Não, numa ação declaratória o réu é citado e pode se manifestar.
- ...
- Sim, uma ação de investigação de paternidade é uma ação declaratória e a parte é citada e pode se defender. Se ela não quiser se defender - ela tem até o direito de reconhecer o pedido: o art. 269, II, nos dá isso: considera-se o processo encerrado com mérito quando a parte reconhece. Ora, não precisa, na verdade, se antagonizar, mas há que ser dada a oportunidade de se manifestar. E essa idéia é que está na essência: se ela vai exercer ou não isso já é conseqüência. Aí há, então, uma sutileza, há uma proximidade, entretanto as questões não se confundem. O exercer e o poder exercer, são questões distintas. Mas, é claro, você pode discordar. Alías, diga-se, esse pensamento aqui é minoritário, e eu não vim aqui para ficar falando do discurso do Cândido Dinamarco. Não esperem que eu fale sobre o discurso do Cândido Dinamarco, Ada Pelegrinni Grinover, Marinoni, Humberto Theodoro, que eu não vou falar. Agora, vou criticá-los. Outra coisa: ninguém é obrigado a concordar; pelo contrário: acho até que muito poucos vão concordar, mas aqui é um pós-graduação. E a sede do pós-graduação é justamente para que façamos as reflexões, porque para dizer que o prazo para a contestação é em quinze dias, eu não preciso vir aqui nem vocês precisam de mim. Estudariam isso em casa. O objetivo da pós-graduação é justamente para que possamos refletir e arejar - mesmo que não concordando - as concepções científicas que nós temos.
- Qual o nome do livro do Rosemiro Pereira Leal?
- Estudos Processuais Continuados. Há também a Teoria Geral do Processo. ão da Editora Síntese.

Segunda parte:
Art. 273. Tutela antecipada
Vamos pensar o seguinte: que beleza, agora temos tutela antecipada! Como é bom tutela antecipada. Vamos pensar uma coisa, vamos ver se você concorda com o que eu vou colocar. Há a propositura de uma petição inicial e no trâmite ocorrido teríamos ao final, se tudo correr bem, presentes as condições da ação, presentes os pressupostos processuais, etc., etc., atingido o mérito, teríamos a prolação de uma sentença. E aí, com a prolação de uma sentença a produção de determinados efeitos que advém dessa sentença. Até aí concordamos?
- Concordamos.
- A tutela antecipada é a possibilidade, então, de, como o próprio nome nos deixa antever, de anteciparmos alguns desses efeitos. Quando isso entrou no nosso ordenamento? Em 1994. Depois, poderemos até ver que o Rosemiro Pereira Leal nos diz que a tutela antecipada não é isso. E ele não fala em tutela jurisdicional - ele nos fala em tutela legal. E por que ele não nos fala em tutela jurisdicional? Porque ele nos diz, de modo muito claro, muito simples que o juiz não é a entidade salvadora onipotente, onipresente, com dons premonitórios; o juiz não nos dá nada, a jurisdição não nos dá nada, quem nos dá é a lei. Então, as palavras escondem uma relação de força. A lei é que nos dá, a tutela é legal. Quando nós falamos em tutela jurisdicional, isso encobre uma opção de visualizar o processo, como se fosse o juiz um ente apto a nos dar alguma coisa. Não, quem nos dá é a lei, a tutela é uma tutela legal. E mais: Luís Guilherme Marinoni, apenas para completar esse apêndice, nos diz que em momento nenhum do art. 273 está escrito que a antecipação de efeitos é antecipação de efeitos da sentença. Até porque não existe sequer a palavra sentença no art. 273. Mas, independente desses aspectos, que verificaremos depois, nós vamos observar o que? Se tutela antecipada, pelos critérios dominantes é isso, nós sempre tivemos tutela antecipada em nosso ordenamento jurídico, meus caros. Você quer saber, meu jovem, por que nós sempre tivemos tutela antecipada? Porque quando nós vamos, por exemplo, ao estudo das ações possessórias, nós verificamos que quando a posse é nova, o Código fala em concessão de uma liminar. Esta liminar tem este nome porque na linguagem, na técnica jurídica de 1973, a expressão “tutela antecipada” não era utilizada, não era manejada. Daí porque quando o Código disse que quando a posse é nova seria possível uma liminar. Por que é que isso aqui, na ação possessória, é tutela antecipada? Porque se dá aqui, o mesmo que se pretende no art. 273. Agora, me diga uma coisa: independente da polêmica dos civilistas sobre a natureza jurídica da posse, ela se assemelha em tudo ao direito real. Quem nesse país tem direito real? Os ricos ou os pobres?
- Os pobres.
- Os pobres?!
- Direito real?!
- O pobre tem direito de tomar porrada (risos). Ele quando muito tem um direitinho pessoal. Só rico tem direito real. E para a proteção da fazenda do “sinhôzinho”, isso aqui já estava no Código de 1973, que estava também no Código de 1939, que estava na Consolidação de Ribas, que estava também nos Códigos processuais estaduais; que estava, antes, nas Ordenações do Reino. Porque defender a fazenda do sinhôzinho e a posse deste sempre foi importante. Ou seja para a defesa...
- Quem mora na favela não precisa pagar IPTU. Agora, se esse aí dono da fazenda parar de pagar o Imposto Territorial dele ele perde a terra.
- Quem disso isso?
- Vamos observar, então, que tutelas processuais diferenciadas para a proteção de determinados tipos de direitos que pertencem a determinadas classes sociais sempre existiram. Ou seja, o nosso ordenamento sempre contemplou tutela antecipada, mas para a proteção de um determinado tipo de direito. Para os direitos pessoais sempre foi necessário o trâmite doloroso do processo. Sendo que, nas Ordenações do Reino, para a discussão dos direitos pessoais, nós tínhamos a petição inicial, a contestação, a réplica, a tréplica e a quadrúplica. Então, vejam como era complicada discussão de um direito pessoal. Mas, nessas mesmas ordenações do Reino, já existia a defesa possessória in limine. Por que? Porque, em 1600, quando das Ordenações Filipinas, quem era proprietário de terras? Quem precisava proteger a terra?
- O rei.
- Então, o Direito, é claro, quando ele nos é ensinado na época de Faculdade, ele nos é ensinado consoante o discurso oficial. E o que é esse discuso ao final? Nada mais fabuloso, meu caro, do que a Escola da Magistratura, um processo de adestramento completo, aonde você vira um perfeito Rex (isto é, um cão adestrado), completamente adestrado, a julgar conforme quer o Tribunal que você julgue. As pessoas ficam indignadas quando, às vezes, no corredor do Fórum escuta-se aquelas conversas - “não, mas o julgamento foi político”. Meus caros, um Poder Judiciário, como poder está umbilicalmente ligado à noção de política. Por que? Porque só há poder onde há política. Todo julgamento é um julgamento político. Porque a escolha de uma solução positivista já é algo político.
Então nós vamos observar que esse processo de adestramento que nós passamos, ele é verdadeiramente brutal. Tão brutal que, quando você observa qualquer pessoa tecendo críticas ao sistema ele é obviamente tachado de quê? Ele é tachado de uma série de pejorativos, como se o Direito trabalhasse com esse certo e o errado; como se o Direito pressupusesse a possibilidade matematizante. Quando, na verdade, não nos deparamos com essa possibilidade matematizante, mas sim com possibilidades retóricas de estruturas de poder: o processo é a forma pela qual nós convençamos estruturas de poder, sob o manto pseudo-neutro - que de neutro não tem nada. É a história da origem do próprio poder judiciário. Vamos observar que nós inventamos o nosso poder judiciário antes mesmo que inventássemos a noção de brasileiro. Porque, é claro, o Estado português se instalou aqui antes que se instalassem aqui os brasileiros. Antes que a noção de brasileiro fosse criada, nós já tínhamos um Estado português. Ano de 1549, veio Pero Borges, para ser o Ouvidor-Mor. Até então tínhamos as capitanias hereditárias. Ora, esse sujeito era desembargador do Paço em Portugal. Ser desembargador do Paço Imperial equivaleria, hoje, a ser ministro do Supremo Tribunal Federal. E o Poder Judiciário também tinha funções executivas. Os desembargadores do Paço gozavam de imunidade régia. O que significava isso? Imunidade tributária: sendo desembargador do Paço você não precisa recolher tributos, você está livre de contribuir para os cofres régios. E além disso ele foi deslocado, o processo está arquivado até hoje em Portugal - e quem escreve sobre isso é aquele jornalista extremamente interessante, Alexandre Bueno, que nos diz que este desembargador foi deslocado para o Algarves (se não me falha a memória) para também, além de controlar o Poder Judiciário lá, construir um arqueduto. Passados dois anos, a verba sumiu e o arqueduto não subiu, o arqueduto não foi construído. A população do algarves revoltada, então, pediu um inquérito. E o desembargador Pero Borges foi condenado a devolver a verba desviada para a construção daquele arqueduto. Ora, mas como ele era um desembargador não se poderia se aplicar a pena, porque além da imunidade tributária tinha ele a imunidade em relação à sanção, ao cumprimento de penalidades. Mas como a sua situação política foi muito complicada, então tínhamos uma solução para esse mal-estar em Portugal: vá para o Brasil organizar o Poder Judiciário brasileiro. Passados quinhentos anos o sujeito se escandaliza com o juiz Nicolau. O nosso Poder Judiciário iniciou com o Dr. Pero Borges. O nosso primeiro Ouvidor-Mor da Colônia foi o sr. Pero Borges, em 1549. Vamos observar, então, que toda essa estrutura, o modo pelo qual nós concebemos o Poder Judiciário, a função deste e as regras, aparentemente, neutras do processo, escondem uma profunda correlação de poder. E estudar o processo significa, em certa medida, conseguir desvelar, conseguir compreender essas relações de poder. Mas, é claro, eu posso estudar o processo sob duas formas, eu posso estudar o processo como receita de bolo: agravo em dez dias; apelação em quinze dias; contestação em quinze dias. Contestação está no art. 300 e 301; aí eu devo alegar os fatinhos que compõem nos incisos do art. 301. Aí a sentença: a sentença deve ter relatório, a sentença deve ter fundamentação, a sentença deve ter dispositivo (art. 458, do CPC). Eu posso dar o processo civil assim, que é como nós estudamos na Faculdade. Ou eu posso pensar o processo civil. Aqui se destina o processo civil, nessas relações de poder.
Vamos observar um exemplo muito claro. Como a neutralidade, como o discurso oficial esconde determinadas questões. Vocês já ouviram falar de recall de automóveis? A montadora lança uma peça, posteriormente verifica que a peça não está boa, o que a montadora faz? Recall. Sabem qual é a origem disso? Estados Unidos. Vamos pensar em dano moral. Depois combinaremos as duas coisas.
Como é que funciona o dano moral no Brasil? Dano moral no Brasil, primeira questão: deve-se recompor o dano. Por isso, então, que se indeniza a pessoa. Mas ao mesmo tempo eu devo evitar o enriquecimento sem causa. E aí nós olhamos para aquelas indenizações nos EUA, de milhões de dólares, e ficamos, aqui, dizendo mal deles lá, rotulando de "as indústrias das liminares das indenizações". Muito bem, esse é o discurso oficial, é isso aqui que os Tribunais pensam, assim que os Tribunais julgam.
Vamos agora para os EUA. Nos anos 70 houve uma montadora (isso até virou filme, eles adoram transformar tudo em filme) , a Ford (essa mesma que faz a Ranger, que todo mundo quer comprar) que fez um carro em que sofrendo um impacto traseiro, enquanto as luzes de alerta estivessem acesas, como o tanque de combustível era aqui e aqui também passava a fiação, havia uma probabilidade que, com um número X de veículos, ocorresse uma explosão. E morreriam as pessoas queimadas, carbonizadas dentro de seus carros: velhinhos, crianças, mulheres, portadores de deficiência, estando naquele tipo de carro e este sofrendo um impacto traseiro, fatalmente morreriam carbonizados. O que a Ford fez? A Ford mandou essa questão para o departamento contábil financeiro e ao departamento jurídico. Sim, nós, advogados, somos cérebros de aluguel. O que o departamento jurídico disse e o que o departamento financeiro contábil disse? Bom, a questão é seguinte: do ponto de vista dos cálculos atuariais, deve explodir alguma coisa em torno de trinta, quarenta carros. O departamento jurídico, então, produziu um relatório. Bom, se o número é por volta de trinta, quarenta carros, vão morrer cerca de sessenta pessoas. Sendo sessenta pessoas, pela jurisprudência dominante, nós vamos gastar aí alguma coisa em torno de sessenta milhões para indenizações. Quando custa alterar o projeto do carro? Custa US$ 120 milhões. Então, vamos fazer o seguinte: nós guardar segredo, os carros vão explodir, nós vamos pagar as indenizações e continuamos sem o prejuízo de mais aquela quantia. Obviamente a informação vazou, e isso gerou uma ação civil pública em face da Ford. E a Ford foi obrigada a pagar - US$ 250 milhões, em indenizações. Por que? Porque nos EUA, se o sujeito vai levar os milhões dele para casa, pouco importa. A função principal é punir quem fez o ato. Por que? Para que não se repita isso daqui que é uma relação custo X benefício; para que o sujeito não raciocine em termos de custo X benefício. Ou seja, para que o sujeito não coloque a questão na ponta do lápis e chegue a conclusão de que é mais barato pagar as indenizações, do que mudar a sua postura.
Vamos trazer isso para o Brasil, vamos supor que isso tenha acontecido no Brasil. Já que não pode haver enriquecimento sem causa, cada carro explodido e cada pessoa morta carbonizada dentro desses carros os parentes receberiam...
- Não teriam recebido nada até agora, porque o processo estaria se arrastando.
- Sim, mas a empresa teria sido condenada a pagar - estou “chutando” alto - cerca de R$ 100.000,00; porque aí eles iriam calcular o salário dele, a expectativa de vida até os setenta anos, que é a estimativa; quanto ele ganha, mais as bonificações, décimo-terceiro; chegaria, assim, a quantia de R$ 100.000,00. E aquele modelo de carro iria continuar nas ruas, porque a relação custo X benefício não foi afetada. Então, quando os Tribunais, no Brasil, decidem por esse prisma, com um discurso extremamente racional, com um discurso extremamente pautado na lei, com um discurso absolutamente bonito, de que não podemos propiciar o enriquecimento sem causa, o que está por trás desse discurso, meus caros? Que se continua a proteger quem descumpre as respectivas normas, que raciocina pelo custo x benefício.
Então, por exemplo, vamos dar um exemplo: qual o setor mais lucrativo há décadas nesse país?
- Os bancos.
- Vamos analisar porque o setor financeiro é o setor mais lucrativo nesse país. E observem: a margem de lucro, num estudo econômico comparado com outros países, eu tenho que verificar a margem, o percentual de lucro com relação a outros países. E os bancos não lucram tanto nos EUA, na Europa e mesmo em outros países da América do Sul. Por que no Brasil nós temos essa característica muito particular da margem de lucro no setor financeiro? Porque aqui nós temos a capitalização de juros. O que acontece? Eu tenho aqui uma base de vinte milhões de clientes. Observem como o Brasil é um país desgraçado, porque nós temos duzentos milhões de habitantes e nós temos aí algo em torno de vinte milhões de contas. Ou seja, levando-se em consideração que determinadas pessoas tem várias contas bancárias, o que não é algo incomum. Vários aqui dentro dessa sala devem ter pelo menos duas contas bancárias...
- E alguns não tem nenhuma...
- Tem gente que não tem nenhuma, mas nós vamos observar que tem muita gente sem conta bancária. E vamos observar, então, qual é o raciocínio do custo X benefício? O que nos diz a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, baseada na lei da Usura? A referida Súmula nos diz: “Não é permitida a capitalização, mesmo quando convencionada pelas partes.” Ou seja, você pode fazer um contrato dizendo que quer capitalizar os juros, e que mesmo assim é ato anulável. Qual é o raciocínio do custo X benefício dos bancos? Bom, desses vinte milhões, eu vou ter aqui 5, 6% reclamando da capitalização de juros. Desses 6%, uns 3% vão conseguir vitórias nos Tribunais. Então, desses 3% que vão conseguir vitória nos Tribunais, eu vou fazer acordo com 2%. Então, vai se sobrar aqui 1% , em que eu vou fazer o que? Devolver em dobro. O que é que estou fazendo, meus caros? Como é que estou julgando? Eu estou protegendo quem? Condenando o banco a devolver em dobro, eu estou privilegiando o raciocínio do custo X benefício. Agora, se para um cliente que pagou cem reais indevidos, em função da capitalização, o Poder Judiciário condenasse o banco a devolver um milhão de reais, em pouco tempo os bancos mudariam o trato, porque passaria a não ser mais interessante capitalizar os juros para essa grande base. Ou seja, na mentalidade dos EUA, o fato daquele sujeito estar recebendo US$ 1.000.000,00 (um milhão de dólares), para o sistema norte-americano pouco importa. O que o sistema norte-americano está interessado é nos que vêm, para que a conduta não se repita. Se aquele sujeito vai pegar o um milhão de dólares, vai mudar o patamar dele e enriqueceu, isso pouco importa: é um rico a mais, bom para ele. O que o sistema tem de privilegiar é que as condutas lesivas não continuem.
No Brasil, não. Com o dogma do enriquecimento sem causa, o que acontece? Ele pagou cem, condenado a devolver duzentos reais. Nossa! O Bradesco deve estar tremendo de medo ao ter de devolver duzentos reais!
Então, às vezes - não, às vezes, não - sempre, os discursos muito puros, muito bonito, escondem questões dramáticas. A maior penalidade para o aborto era na legislação da Alemanha nazista. Portanto, nem sempre defender determinadas posições significa que as suas intenções sejam boas. Vamos observar que, discursos bonitos, pautados na legalidade, na norma, no direito positivo, encobrem sempre o aspecto hermenêutico. E isso nos é passado na Faculdade de modo absolutamente neutro e nós acreditamos e chegamos ao ponto de ser virulentos com qualquer reflexão a respeito disso.
Eu tenho absolutamente certeza de que vários de vocês estar pensando: nossa! Esse cara é um doido varrido, doido de amarrar no poste, debaixo do sol quente, como se costuma dizer! Por que? Porque é justamente a questão ligada à capacidade de crítica, à capacidade de análise e perceber o que existe por detrás do discurso oficial.
Vamos trabalhar, só para que vocês tenham uma idéia, determinadas questões que vocês devem ter visto, obviamente, em Teoria Geral do Processo, com o outro professor, sobre condições da ação. Vamos pensar sobre as condições da ação. O que é o mérito?
- É a decisão final.
- Sim, o mérito é a decisão final. Mas o mérito é o quê? É a pretensão posta em juízo. Daí porque, na sentença, eu não posso julgar aquém, além ou fora - ultra, extra ou citra petita. Por que? Porque o que está sendo julgado é a pretensão que é posta em juízo.
Essa pretensão é de direito material. Se assim é, você está colocando algo de direito material, solicitando ao juízo, e esse direito material é o mérito da sua ação, vamos raciocinar sobre a questão - pensem, não decorem. Vejam só: legitimidade ad causa. Tribunal de Justiça de São Paulo. Uma banca de jornais colocou umas revistas pornográficas. Um sujeito passou, se sentiu ofendido, entrou com uma ação em face do jornaleiro, alegando que as revistas não estavam cobertas por tarjas pretas. Julgado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, extinguiu-se o processo sem julgamento do mérito, posto que a obrigação de colocar tarjas pretas é da editora, e não do jornaleiro. Digam-me uma coisa - vejam só como é esquizofrênico esse negócio! Eu estou me manifestando e dizendo que a obrigação é de A e que a obrigação não é de B; ou seja, eu estou me manifestando a respeito do quê? Do direito material e estou dizendo que estou extinguindo aquele processo - sem apreciação do mérito?! Sempre que eu me manifesto a respeito do direito material, eu estou me manifestando a respeito do mérito. Porque a pretensão é de direito material. Daí porque o Fábio Bobbis, no livro Condições da ação? ele nos diz que a teoria de Liebmann, a Teoria Eclética da Ação, foi o maior erro de Liebmann, pois ela está completamente equivocada. Por que? Porque você sempre analisa o mérito. Nos escritos do Liebmann, ele diz o seguinte: que já estava na hora de tentar - não significa que ele conseguiu - unir as duas teorias: a teoria concreta e a teoria abstrata. Por isso que ele, então, manteve uma base da ação abstrata e criou uma espécie de um filtro concreto, que ele chamou de condições da ação. E disse que se eu não consigo ultrapassar esse filtro eu fico nas preliminares - art. 267, VI. Se ultrapasso esse filtro eu analiso o mérito. Mas, para tal, ele instituiu de modo concreto as três condições. E no seu último escrito ele reviu a própria teoria, dizendo que na verdade existiria uma única condição da ação, que seria o interesse de agir. Por que? Porque na última obra de Liebmann ele mesmo disse que na inexistência de possibilidade jurídica do pedido ou legitimidade não há interesse de agir. Se ele tivesse vivido um pouquinho mais talvez ele tivesse feito um novo escrito recusando essa própria coesão. Por que? Porque é tentar conciliar o inconciliável - a teoria concreta com a teoria abstrata. Sempre que eu analiso o direito material eu estou analisando o mérito. Quando eu analiso a possibilidade jurídica do pedido, quando eu analiso o interesse de agir eu já tenho que investigar a relação, eu já tenho que verificar, naquele caso, mesmo que in abstrato, as possibilidades de confrontação e necessidade do Poder Judiciário, mais a adequação. E quando eu tenho que analisar a legitimidade eu também tenho que adentrar o mérito. Assim sendo, o que Fábio Bobbis nos diz, nesse livro Condições da ação? Ele nos diz que nós temos na verdade é sempre uma análise de mérito. Às vezes ela é mais evidente e salta aos olhos; às vezes ela é oculta e só é percebível com uma maior investigação e mais adiante. Então, obviamente, raciocinarmos com condições da ação é raciocinarmos com uma teoria absolutamente anacrônica e que se coloca única e exclusivamente no Brasil pela influência que o próprio Liebmann teve sobre o Alfredo Buzaid, que foi o redator do nosso projeto. Mas não significa que seja assim na Europa, não significa que seja assim nos outros países da América do Sul, aonde nós falamos em direito processual de origem romano-germânica. Rever esses conceitos e observar esses equívocos significa compreender o processo na sua absoluta multiplicidade e nos paradoxos e contradições desse próprio modelo processual.
De modo que eu não peço que concordem comigo; pelo contrário, eu acho que ao longo desse curso o fundamental é vocês divergirem de mim o mais que puderem, porque quando nós divergimos nós estamos exercitando a nossa capacidade crítica. Quando nós divergimos nós estamos exercitando o nosso cunho de raciocínio e é isso que eu peço num curso de pós-graduação: raciocínio. Porque vir aqui para dizer o que o Cândido Dinamarco disse no livrinho dele, que o Barbosa Moreira disse em seu livrinho isso é abrir o livro e ler, ninguém precisa de estar aqui. O importante em sala é justamente o quê? A elaboração do debate acadêmico. Porque é colocando a dúvida é que nós raciocinamos, porque a certeza é sempre muito confortável. Verifiquem que esses doutrinadores sempre trabalham com a certeza. A certeza é muito, muito confortável. A certeza é paralisante: nós nos sentimos tão bem com a certeza que não evoluímos, nós não progredimos, nós não nos empenhamos, nós não nos esforçamos quando temos uma certeza doutrinária. E o que eu quero mostrar aqui, ao longo desse curso é que essas certezas doutrinárias elas são falhas, elas são equívocas, elas trabalham sobre pressupostos ditatoriais, elas trabalham sobre uma redução dos espaços de discussão. O Luiz Guilherme Marinoni, por exemplo, nos coloca a mesma necessidade de antecipações de tutela e faz longos discursos em relação a questão ligada basicamente a comportamentos protelatórios. Ele é o que mais berra em relação a comportamentos protelatórios. Claro, ninguém quer comportamentos protelatórios, todos querem processo ético. Entretanto, vamos pensar sobre o que o Rosemiro Pereira Leal, por exemplo, fala sobre isso. Ele nos coloca uma questão completamente adversa em relação a isso.
Peguemos o discurso do Luiz Guilherme Marinoni. Este autor, por exemplo, quando fala em recursos ele nos diz assim: que o recurso não é um espaço para atacar o juiz, a conduta de um magistrado. Por que ele diz que o recurso não é o espaço para atacar a conduta do magistrado? Porque a conduta está fora do objeto do recurso. O objeto do recurso é o direito material controvertido entre as partes. Algumas páginas adiante, o que o Luiz Guilherme Marinoni coloca? Que a conduta protelatória da parte deve ser apenada. Pergunta o Rosemiro Pereira Leal: bom, o que é de estranhar é que o mesmo argumento vale para a primeira questão, mas não vale para a segunda. Ora, então já vemos aqui, dois pesos e duas medidas. E aí, mais do que isso: essa pena está sendo imposta sem o devido processo legal. Porque para a imposição de qualquer pena há que se ter o quê? O devido processo legal. Mas esta não, esta foge a todo um sistema; esta basta que o magistrado, na sua concepção entenda que aquilo é protelatório, sem qualquer discussão a respeito da efetiva conduta protelatória. Não, ele acha que aquilo é protelatório e ele apena. Ou seja, no bojo do processo, algo que está fora, como o próprio Marinoni nos diz, fora do objeto do processo, é agregado, sem um devido processo legal, uma penalidade. Observem que todos querem um processo ético, isso não há a menor sombra de dúvida, mas os discursos devem guardar um mínimo de razoabilidade e evitar paradoxos. Se o recurso não é o espaço para atacar a conduta do magistrado, também não é o espaço para impor multas que estão fora do objeto do processo. O Rosemiro Pereira Leal nos diz, então, sobre o que representa esta postura. Mas nós lemos a opinião do Marinoni e concordamos porque é bonito. Você lê um livro do Luiz Guilherme Marinoni você gosta, porque as palavras são bem escolhidas, as palavras são bem colocadas, o discurso, a princípio, faz sentido. Mas numa análise de fundo nós estamos caminhando para uma ditadura do Judiciário, com cada vez mais poder sendo dado aos juízes, com cada vez mais possibilidades discricionárias e menos garantias na lei. Observem os termos do Código Civil; e aí combinem isso com a ampliação dos poderes do relator. Vamos observar, então, que um discurso bonito, está encobrindo ações ditatoriais. Por que? Por que como é que se dá a reforma no Código de Processo? Quem é que conduz a reforma do Código de Processo? É basicamente assim, meus caros: existe o Instituto Brasileiro de Direito Processual. Quem é que é presidente desse Instituto? Atualmente, se não me falha a memória, é a Ada Pellegrini. E aí o Cândido Dinamarco é o vice; o Marinoni é vice; põe lá o Humberto Theodoro como diretor; pega-se esse povo todo e eles redigem, então, anteprojetos. Esses anteprojetos vão para a comissão do STJ, lá com o ministro Sálvio de Figueiredo e um outro, cujo o nome agora me falaha à memória; e o STJ envia o projeto de lei para ser discutido aonde? No Congresso Nacional. Esse projeto de lei, votado, vira lei e faz-se a reforma do CPC. Então, quem é que está ganhando o jogo quem é que produz esse discurso oficial? São autores como Ada Pellegrini, Marinoni, Humberto Theodoro etc. Rosemiro está no Instituto Brasileiro de Direito Processual? Não. Baracho está no Instituto Brasileiro de Direito Processual? Não. O Haroldo Plínio Gonçalves está no Instituto Brasileiro de Direito Processual? Não. Eu algum dia vou conseguir entrar no Instituto Brasileiro de Direito Processual? NÃO. Por que? Porque a ele tem acesso só aquele povo, que tem essa concepção de processo. E o que é mais dramático é que a OAB não faz nada.
Meus caros, hoje eu vou terminar a aula dez minutos só mais cedo, porque eu tenho um compromisso, já previamente agendado. Até terça-feira que vem. Muito obrigado.
- Nós que agradecemos.

Comments:
Gostei muito desses comentários. Poderia me dizer quem é o autor? Meu email é fabiopavie@gmail.com
Obrigado.
 
Essas aulas são ótimas..
quem é o professor?
 
O professor só permitiu que eu viesse a disponibilizar essas transcrições para os meus colegas de turma sob a seguinte condição: que eu não divulgasse ou utilizasse o seu nome.
Assim sendo, continuarei não divulgando e muito menos utilizando o seu nome.
 
Lia Lopes, onde você estudou? Voce já é formada, voce é muito estudiosa.

Paulo
 
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