Aulas Transcritas de Processo Civil
terça-feira, março 15, 2005
 
Aula do dia 07.12.2004
........vimos litisconsórcio, vimos o instituto da assistência, verificamos os aspectos pertinentes à oposição. E agora nos dedicaremos à verificação das questões que se lançam à nomeação à autoria.
Conseqüentemente, temos de pensar sobre o art. 62 e seguintes do CPC. E a nomeação à autoria ela vai ser uma espécie de exceção a uma regra geral do processo. Porque normalmente as questões pertinentes à ilegitimidade nos acarretam a extinção do processo por carência de ação, com base no art. 267, VI.
Ou seja, quando temos uma ilegitimidade ativa ou passiva nós carecemos, então, de condições de rumar em direção a uma verificação de mérito. Nessa medida, vamos observar que a nomeação à autoria é justamente uma exceção à aplicação do art. 267. Ou seja, na nomeação à autoria nós teremos uma indicação equivocada de quem é o legitimado passivo, e ao invés de extinguirmos esse processo, nós vamos retificar essa polaridade passiva. Assim, A propõe uma ação em face de B e este diz que não é o legitimado passivo, indicando outra pessoa como o legitimado passivo. Nós vamos observar que será feita uma discussão, que será feito um debate, acerca da legitimidade e decidiremos, então, da legitimidade de B, ou pela legitimidade de C para ocupar o pólo passivo. E uma vez definido, uma vez decidido, uma vez observado quem é o legitimado passivo, se for C, B vai embora. Se for o legitimado passivo realmente B, quem vai embora é C. Assim, em verdade, o que nós chamamos de nomeação à autoria é este momento de discussão, este momento processual em que nós estamos aferindo a legitimidade. Depois de aferida a legitimidade, definidas as polaridades do processo, sedimentadas as polaridades do processo, este seguirá com uma das partes. O autor é intocado, não tendo sido realizada qualquer alteração, e a parte passiva podendo ter sofrido essa modificação e, conseqüentemente, adequação à legitimidade. Isso implica, obviamente, em não fazermos atuar o art. 267, VI. Daí porque a regra geral é a de que problemas na legitimidade nos levam a extinguir o processo com base no art. 267 - à exceção das hipóteses da nomeação à autoria.
Ficou bem clara essa idéia? Bem didática essa idéia, tranqüilo? Alguém não compreendeu, explicamos novamente.
Nessa esteira vamos observar qual a razão pela qual nós não vamos aplicar a regra do art. 267. Ou seja, qual a razão que justifica, qual o motivo que dá ensejo a, nessa hipótese, nós retificarmos essa polaridade passiva? E isso nos vamos encontrar no art. 62 e no art. 63. Então, vamos entender adequadamente estes artigos.
Esse conjunto de artigos, na verdade, justificam a não aplicação do art. 267, e sim, a retificação da polaridade passiva, não em função de questões processuais. As razões não são processuais. São razões ligadas ao direito material. Vamos observar que o art. 62 e o art. 63, que a situação fática é de tal ordem que seria injusto, que seria severo ao extremo exigirmos uma outra indicação por parte do autor. Ou seja, de outro modo, nas situações descritas no art. 62 e no art. 63 é natural que qualquer pessoa venha a errar, é natural que qualquer pessoa venha a indicar a polaridade passiva de modo equivocado. E nessa medida, o que se busca é, em função da situação de direito material, extremamente tênue, extremamente dúbia, permitir então uma oportunidade de retificação. Vamos ver o teor do art. 62:
“Art. 62. Aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou o possuidor.”
“Aquele que detiver” , ora o artigo aqui está falando em detenção. Ora, a detenção difere da posse. e difere da propriedade. Isso é absolutamente óbvio, isso é evidente, isso é absolutamente cristalino - para quem está dentro da relação. Para quem está fora da relação é muito difícil saber.
Nós vamos observar que estabelecer essas distinções é extremamente fácil para quem está do lado de dentro desse tipo de relação. Para quem está observando, diferenciar que aquela pessoa tem aquele bem em razão de uma detenção, ou em razão de uma posse, ou em razão de uma propriedade é muito difícil. É possível que ela não saiba discernir, é possível que ela não saiba identificar qual a natureza jurídica daquela situação que ela vislumbra. Você encontra uma pessoa dirigindo um carro, a princípio você não sabe se ela é proprietária daquele carro ou se ela acabou de alugar aquele carro. Então, para quem está de fora observando é muito difícil perceber, verificar se a relação é de detenção, de posse ou de propriedade. Assim, é natural que quem está de fora vislumbre essa relação sem distinções e aponte aquele que lesionou como sendo o legitimado passivo. Daí porque, por uma situação de direito material dúbia, ou de difícil identificação ao observador nós vamos permitir que essa questão fática dê ensejo à nomeação à autoria. Vamos voltar ao dispositivo e completar a leitura do artigo.
“Aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio ( ou seja, o sujeito tem apenas a detenção, ele não tem posse nem propriedade; ele tem apenas o mero deter e está sendo demandado em nome próprio), deverá nomear à autoria o proprietário ou o possuidor.” Ele que tem a mera detenção, vai indicar aquele que tem a posse ou aquele que tem a propriedade para efetivamente responder os termos.
Exemplo: você tem um amigo em Búzios. Este amigo lhe oferece a casa para passar alguns dias no final de semana. Você acaba se estendendo e, num determinado momento recebe uma citação em função de alguma questão de limites de propriedade, ou em função de alguma questão pertinente as relações de circunvizinhanças que se estabelecem e você é citado em nome próprio. Ora, mas você ali está dentro de uma mera detenção, você não é o possuidor, você não é o proprietário, você está ocupando aquela área, mas tem a mera detenção. Um caseiro contratado para o seu sítio em Araras ele é proprietário? Claro que não. Ele é possuidor? Claro que não. Ele, na função de caseiro está meramente detendo a coisa. Então, conseqüentemente, se citado em nome próprio, este sujeito fará o que? Ele foi citado ele vai argüir essa sua condição de detentor e indicar efetivamente quem é o possuidor ou o proprietário, para que ação siga em face do proprietário.
Mas vamos observar que, então, a nomeação é este momento aonde eu não entro no mérito. Eu não estou debatendo se a questão de fundo, a questão de mérito é procedente ou não: aqui eu estou numa discussão preliminar, porque eu estou numa discussão em que aferimos, em que investigamos, em que debatemos quem o legitimado passivo. Aqui não é o momento para a discussão do mérito. Até porque, depois disso, então, se decidirmos, ou melhor - quando decidirmos - quem é o legitimado passivo, se B ou se C, nós teremos prazo para contestar. Então, nessa medida, é claro que a discussão do mérito vai se iniciar a partir dessa contestação.
Está claro isso? Alguém tem dúvida? Agora ficou mais claro?
- Professor, o sr. falou que quando o caseiro for citado o que ele faz?
- Nomeia a autoria, o possuidor ou o proprietário. Porque ele como caseiro tem a mera detenção.
Está preocupada com aquela sua casa em Teresópolis, não é? Ela tem uma propriedade fantástica em Teresópolis - um verdadeiro haras. É um negócio incrível. Agora, ela é assim (mão fechada!): não convida ninguém...
O art. 63 também é uma situação fática extremamente difícil para quem está de fora, para quem é um observador. Vamos verificar o art. 63.
“Art. 63. Aplica-se também o disposto no artigo antecedente (vale dizer, é cabível a nomeação à autoria também) à ação de indenização, intentada pelo proprietário ou pelo titular de um direito sobre a coisa, toda vez que o responsável pelos prejuízos alegar que praticou o ato por ordem, ou em cumprimento de instruções de terceiro.”
Quando estamos no âmbito do direito civil este trata sobre a responsabilidade de atos cometidos pelos funcionários. É uma das temáticas do Código Civil. Pois bem, então é possível para quem sofreu a lesão, que ele identifique no praticante da lesão o seu pólo passivo e ele não perceba, ou não saiba ou não tenha qualquer informação de que aquele ato lesivo, que ele alega ter lesionado o seu direito, tenha sido praticado em cumprimento de ordem. Conseqüentemente, ele viu lá você, uma mulher violenta, uma mulher truculenta. Ela a observa praticando a lesão, mas não sabe que ela fez a mando da chefe - a grande mentora, perversa - que ordenou a sua serviçal a produzir o dano. A testemunha detectou a serviçal produzindo o dano. Então aquela testemunha ingressa com a sua ação e aponta a serviçal como a legitimada passiva. Esta, por seu turno diz que simplesmente cometi a lesão em função da minha relação empregatícia, ou em função de, sei lá quais razões, que envolvam um vínculo de insubordinação, e diz que foi feito então por ordem deste ser maligno. E conseqüentemente nós vamos ter a mesma situação: nós vamos ter a ação proposta de A em face de B; B vai dizer então que o legitimado passivo real, verdadeiro deve ser C. Nós vamos discutir então, quem é efetivamente o legitimado passivo - se B ou se C. E, após definirmos isso, aí será concedido prazo para aquele que restou no processo. E por que isso? Porque se B restou no processo, C vai para casa, se retira. Entretanto, se foi C que ficou no processo, porque se aferiu, do ponto de vista da legitimidade, que a questão foi efetivamente feita à ordem, conseqüentemente, B vai embora.
- Mas podemos enquadrar os dois?
- Não.
- Por que não?
- Não porque se eu não apontei ela como réu ela não adquire a qualidade de réu. Quem é que foi apontado como réu?
- No crime isso pode acontecer...
- O crime não compensa. Xô com esse negócio de penal. O direito penal é um flagelo: é facada, é paulada, ;e esmagamento, é soco, é chute, queimou vivo etc. Não, esse negócio não leva a lugar nenhum. Isso é um negócio pavoroso. Não, vamos verificar questões cívis pois estas são ligadas ao dinheiro, de modo mais sutil...
- A co-autoria não é assim, foge disso.
- Meu caro, nós temos de ter muito cuidado com terminologia. Co-autoria é uma terminologia eminentemente penal. E isso não é uma questão ligada a uma verificação, por exemplo, positiva. Você sabe que, muito pelo contrário, a minha visão é radicalmente contrária ao positivismo. Mas em qualquer forma de ciência ela precisa ter uma liguagem adequada, ela tem que ter a sua tecnicidade lingüística. Por que? Porque, imaginemos você chamar de coração o pâncreas. Você diz para mim que se tem de operar o pâncreas do paciente. Aí eu entendo pâncreas como coração. Vou operar o sujeito e extraio dele o coração. Mas você me dissera que era para extrair o pâncreas e eu extraí o coração. Eu tenho que ter o que? A linguagem técnica. E quando eu saio de uma idéia mais grosseira e vou sofisticando isso de modo a depurar essa linguagem, eu percebo o que? Primeiro que o Código faz uma confusão terminológica imensa. O próprio Código faz uma confusão terminológica imensa. E esta confusão terminológica imensa é reproduzida por boa parte da doutrina. E, mais uma vez, se eu tenho essa confusão terminológica é fácil eu confundir o estudioso. É fácil eu confundir, através de um discurso, as reais intenções. Vamos parar para pensar: aqui mesmo você tem no art. 63 uma imprecisão terminológica terrível. E que imprecisão terminológica é essa? “Aplica-se também o disposto no artigo antecedente à ação de indenização”. Fala-se aqui de ação de indenização. Mas não existe ação de indenização. O que existe é tão-somente ação, que instaura o processo cujo o pedido é indenizatório. Eu não tenho, por exemplo, quando nos deparamos lá com os artigos 914, 907, 901, 890, eu não a ação de consignação em pagamento: eu tenho uma ação cujo pedido, cujo processo que foi instaurado mediante a propositura de uma ação é de consignação. A ação, na verdade, é o direito de provocar a jurisdição. E nessa medida ela instaura o processo. Daí porque, eu só tenho na verdade um direito de ação. Ou seja, é o direito de reclamar do judiciário a prestação. Mas, uma vez que você chega lá na distribuição e dá entrada você exerceu o seu direito de ação dando início a um processo. Ora, isso são questões terminológicas que depois, você vai verificar, que se tornam cada vez mais importantes, para que não exista determinadas confusões que vão se estabelecendo pela linguagem do Código e pela doutrina.
Mais uma vez vou lembrar Rosemiro Pereira Leal, que é um autor que costuma fazer uma rigorosíssima distinção dentre esses termos, para evitar essas confusões.
• Ciência do processo
• Direito processual (disciplina)
• processo
• ação
• procedimento

Vamos observar que o Código e a doutrina costumam tratar tudo isso aqui como se fossem a mesma coisa. O Código mesmo fala em procedimentos especiais, e aí, nos procedimentos especiais, nos fala da ação de consignação em pagamento, a ação de prestação de contas, a ação possessória.
Ao mesmo tempo o direito processual e a ciência do processo são tratados do mesmo modo, quando na verdade eu tenho distinções, porque o direito processual é disciplina no sentido de que o direito processual envolve as questões relativas ao conjunto do processo de conhecimento, do processo de execução, do processo cautelar e dos processos especiais (que eu me nego a chamar de procedimentos). Você tem todos os elementos que compõem o processo. Isso é um procedimento em contraditório: de jurisdição contenciosa e jurisdição voluntária - a qual também é uma distinção anacrônica.
Nós vamos observar que o processo é o procedimento em contraditório. ao passo que a ciência do processo é o estudo do direito processual. Ou seja, sem distinções claras e distintas você começa a trazer toda uma gama de confusões até chegar em hipótese absurdas como tutela jurisdicional. Tutela jurisdicional é uma expressão terrível. E por que? Porque nos dá a falsa idéia de que é a jurisdição que nos salva, que é a jurisdição que nos concede, que é a jurisdição que nos protege, de que, em suma, é o julgador - o juiz - esse homem sobrehumano, com poderes mágicos nos dá a respectiva tutela. Não a tutela é uma tutela legal, por que? Porque o juiz não pode nos dar nada além, nada fora, nada diferente do que foi pedido. Ele só pode nos dar o que a lei protege. Então, a proteção é uma proteção da lei e não do magistrado: ele não nos dá nada, ele não nos dá absolutamente nada. Só que através de mecanismos de linguagem - e linguagem é poder, lembre-se disso - explorando as confusões terminológicas, você cria todo um discurso de salva-guardas de poderes ao magistrado - poderes que, na verdade, ele não os possui.
Falamos isso em função da co-autoria. Voltando agora para a sua co-autoria. Tome muito cuidado com o emprego técnico de determinadas expressões, e reserve, em específico, nesse caso, co-autoria para o ambiente penal não para o ambiente processual civil.
- Rodrigo, mas a partir do momento que você dá entrada numa inicial a posteriori isso não se torna uma ação?
- Não, isso é um processo. A questão fundamental é justamente essa. A doutrina brasileira costuma ser apenas um recorte fólio da doutrina italiana. Na Itália- não só na Itália, mas principalmente lá - os civilistas têm um hábito arraigado desde o século XIX quando o processo não era tido como autônomo. O processo era tido como um mero apêndice do direito civil. Daí porque ainda temos alguns livros que se referem ao processo como direito adjetivo. Ora, o que é o adjetivo? Aquilo que segue o substantivo. E porque alguns livros ainda chamam o direito civil de direito substantivo? Em função dessa questão: ou seja, de uma visão ainda do século XIX, aonde o processo não era uma disciplina autônoma. E como o processo ainda não era uma disciplina autônoma, é claro que os civilistas tinham a tendência de confudir o que é processo com ............material e dizer que se interpunha uma ação X, Y ou Z. Ou seja, confundindo aquilo que é pedido com o direito de provocar a jurisdição. Então nós vamos observar que quando eu falo do pedido eu falo de processo; quando eu falo de ação é esse momento de exercício. E a influência é tão forte que até hoje nós temos confusão terminológica no Código - uma questão que é do século XIX - nós temos confusão terminológica na doutrina.
- É que na própria prática isso se confunde, na própria praticidade da coisa.
- Vamos observar que se você perguntar a um civilista ele vai lhe responder que as ações possessórias são em número de cinco; se você perguntar a um processualista ele vai lhe responder que as ações possessórias são em número de três. Porque o processualista vai citar a turbação, o esbulho e o interdito proibitório. O civilista vai dizer ainda sobre a imissão de posse. E o que é a ação de imissão de posse, que o civilista gosta de falar? É uma ação ordinária, uma ação proposta que instaura um processo de rito ordinário, cujo o pedido é imissão de posse. E falará ainda como questão possessória do dano infecto. Tudo isso gerado por que? Por confusões. Então, as vezes o sujeito fica em dúvida querendo descobrir o nome da ação. Primeiro que ação não tem nome: ação é ação. E a ação instaura um processo pelo rito ordinário ou pelo rito sumário; ou ainda pelo rito especial, contencioso ou voluntário. Só: processualmente, só. Agora, é claro, nem o próprio Código de Processo Civil conseguiu se libertar totalmente de um ranço que vem ainda do século XIX, de longa data, portanto. E quando se fala em século XIX, você retrocede a Roma, por que? Porque em Roma nós tínhamos a actio, daí porque hoje falarmos em ação. Então é claro que você não vence uma tradição dessa magnitude com um Código de 1973 para cá. É claro, que o CPC/73 tentou se livrar ao máximo, mas cometeu grandes imprecisões técnicas. Foi muito melhor tecnicamente do que o Código de 1939, mas mesmo assim manteve, por exemplo: toda parte dos chamados procedimentos especiais o CPC chama de ação disso, ação daquilo, ação daquilo outro, porque no que tange aos procedimentos especiais, o CPC repetiu a mesma dicção que já estava nas Ordenações do Reino - tanto nas felipinas, como nas afonsinas, quanto nas manuelinas. Ora, então, essas ações - ação de consignação, ação de prestação de contas - essas questões eram tratadas assim ainda ao tempo das ordenações. É claro que, muitas das vezes por tradição, muitas das vezes pela própria inércia da técnica legislativa, você acaba repetindo determinadas imprecisões técnicas. Mas cabe justamente à doutrina identificar isso e fazer as devidas distinções.
- Então o modo de corrigir poderia ser, ao distribuir uma ação, já começar nominar essa ação de maneira correta dentro da sugestão que você está apresentando aí?
- Claro, claro. Assim como você vai ver as questões ligadas à praxe. todos nós sabemos que a ação não é dirigida ao juiz, mas ao juízo. Portanto deveríamos iniciar as nossas petições ao “Juízo da Sétima Vara Cível”, ao “juízo da Décima Nona Vara Cível”, e não ao “Exmo. Sr. Dr. Juiz”. A ação não é pessoal, a minha relação não é com ele, ação não será dirigida a ele - mas sim ao juízo. O órgão competente é juízo da Sétima Vara, da Quinta Vara, da Terceira e não à pessoa. Mas é o ranço ibérico medieval de você prestar reverências a quem trabalha para a Corte
- Mas na verdade você não pode fugir disso.
- Para quem trabalhava na Corte, com punhos de renda, era louvado. Vamos lembrar que os desembargadores do Paço, em Portugal, tinham imunidade tributária, não recolhiam tributos aos cofres régios - tamanha era sua regalia.
Você quer ver uma outra questão que é prática forense, mas do ponto de vista da técnica está equivocado? Por exemplo, nós quando fazemos a apelação nós sempre fazemos o que? Nós fazemos uma folha de rosto - “Exmo. Sr. Dr.... Venho interpor a apelação... Assinamos, OAB; depois você faz uma outra folha com as razões. O Código de 1939 determinava que se fizesse folha de rosto e apresentação das razões. A apelação, hoje, está disciplinada no art. 514 e neste artigo você tem disposto o seguinte:
“A apelação, interposta por petição dirigida ao juiz conterá:
I - os nomes e a qualificação das partes;
II - os fundamentos de fato e de direito;
III - o pedido de nova decisão.”

“A apelação, interposta por petição dirigida ao juiz” - na verdade aqui o Código comete uma imprecisão, pois é ao juízo.
Em alguns lugares o Código acerta. Observem que enquanto o art. 282 nos diz:
“Art. 282. A petição inicial indicará:
I - o juiz ou o tribunal, a que é dirigida;”
Deveria ser - o juízo ou o tribunal.
No art. 801 ele acerta porque ele diz o seguinte:
“Art. 801. O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que indicará:
I - a autoridade judiciária, a que for dirigida;”
Às vezes o Código acerta e por vezes ele desliza na técnica. E aí, voltando ao art. 514 para completar:
“A apelação, interposta por petição dirigida ao juiz conterá:
I - os nomes e a qualificação das partes;
II - os fundamentos de fato e de direito;
III - o pedido de nova decisão.”
Vejam que não fala em folhas separadas de rosto e de apresentação das razões. Mas nós continuamos a apresentar da forma como era exigida no Código de 1939, que perdurou até 1973. Esse que nós temos começou a vigorar em 1974. Então, a maioria esmagadora dos profissionais que atuam hoje foi educada professores e fez estágio com a mentalidade do Código de 1939. Assim, nós vamos observar que a apelação é feita em peça única dirigida ao juiz, qualificação das partes, e daqui já segue exatamente como numa petição inicial. Porque é assim que está disposto no art. 514, que não diz, como dizia o Código de 1939, que - a parte deverá fazer a interposição do recurso e apresentar a peça de razões... E inclusive no processo penal, como é que é no CPP? O CPP, que é de 1942, tirou como modelo o CPC de 1939. Como é que é no CPP? Você pode inclusive apresentar a apelação no primeiro grau e apresentar as razões no segundo grau. A apelação penal é assim. E por que ela é assim? De onde ela tirou a fonte? Porque no CPC de 1939 era assim. E nós continuamos até hoje, em 2004, fazendo as nossas apelações como era em 1939.
- Os autores novos tem uma certa responsabilidade nisso aí, você não acha?
- Claro, mas entenda não interessa - isso aqui é até uma questão de menor importância - mas o que na verdade não interessa é trabalhar com conceitos claros e distintos. Porque quando eu tenho uma terminologia confusa fica fácil dizer que eu tenho que dar mais poder para o juiz. É uma questão de linguagem, é uma questão de poder.
Abramos o dicionário e consultemos as seguintes palavras:
pensar
lutar
agredir
E depois consultemos a palavra - agradecer. Veremos que o dicionário vai nos dar um grande número de sinônimos para lutar, agredir, pensar; e um número muito pequeno para agradecer. Por que? Porque as palavras são o seu instrumento de raciocínio, você não pensa aquilo que você quer. Nós não pensamos o que nós queremos - nós pensamos o que é possível pensar. E nós pensamos através de palavras. Ora, então, as palavras são o seu instrumento de raciocínio, o seu discurso é construído a partir das palavras. E esse número diferenciado de sinônimos mostra as suas ferramentas. E o que é importante? Para as coisas que são importantes nós criamos palavras. É muito conhecida aquela questão dos esquimós, que têm mais de quarenta formas de se referir à neve. Por que? Porque a neve para eles é importante. A textura da neve, a densidade da neve, a coloração da neve etc. Já no Rio de Janeiro você só fala neve, não tem outra palavra para se referir à ela. Por que? Porque no rio de Janeiro neve não é importante. Logo, você não pensa o que quer, você pensa aquilo que é possível pensar. E você pensa como? Você pensa através das palavras. E, conseqüentemente, palavra é poder. Como é que começa a Bíblia? No princípio era o verbo. Ou seja, isso na verdade é uma guerra de linguagem, é um modo de luta que se estabelece através da linguagem.
- E tem força!
- Muita força!
- Claro. A linguagem é um mecanismo fundamental numa estrutura de poder.
- As vezes uma caneta tem mais poder do que uma arma.
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- Ficou claro isso? Ficou bem claro isso? Vamos então fazer o seguinte: o art. 64 e seguintes vão nos dar o fluxo dessa nomeação e como nós vamos fazer e posteriormente como nós vamos ter prazo para a contestação.





SEGUNDA PARTE:

Você já parou para pensar como nós somos estúpidos com relação à droga? Se você for fazer um retrospecto de quando determinadas substâncias foram proibidas e qual a razão para elas terem sido proibidas, você retrocede e vai encontrar sempre o que? Razões políticas e econômicas. Vamos pegar o exemplo mais banal: a maconha. A maconha ela foi proibida porque um laboratório que nós conhecemos - o laboratório Bayer - e se é Bayer é bom! - no final do século XIX, desenvolveu um determinado medicamento, um determinado tônico que em função do apetite substituía .... Não era interessante aos interesses da Bayer a manutenção disso.
A cocaína: também no final do século XIX, foi desenvolvido, por um outro laboratório, um anestésico e a manutenção do comércio de cocaína não interessava a esse laboratório europeu e, conseqüentemente, foi feito um lobby para a restrição de venda. Ou seja, quando você retrocede às origens de todas as proibições que se deram na virada do século XIX e do século XX, você começa a encontrar interesses farmacêuticos na vedação de tal ou qual tipo de substância. Porque do ponto de vista eminentemente farmacológico, como é que você define droga? Droga, do ponto de vista farmacológico é toda e qualquer substância capaz de provocar alteração psiquíca. Ora, se droga é isso nós temos que não há nenhuma diferença entre prozac, dalmidorm, valium, maconha, cerveja etc. Ou seja, não existe um critério médico para distinção disso. E nem pode-se alegar o aspecto ligado à capacidade ou à intensidade com determinada substância vicia. Porque você tem anfetaminas e tranqüilizantes que têm poder viciante muito mais intenso do que outras drogas que são consideradas ilícitas. E você vai observar ainda que você tem, por trás de toda essa questão, a própria indústria da repressão. A indústria da repressão envolve a indústria bélica, envolve toda uma gama de aparatos repressivos que são necessários para que se auto-justifiquem. Ou seja, criando um mecanismo de repressão eu me auto-legitimo, eu crio a minha própria importância. Ou seja, o próprio Estado se mostra guardião.
Então, todas as campanhas começam trabalhando questões equivocadas. Olham como as campanhas trabalham: oh! A cocaína é um terror! A cocaína é pavorosa! Mas ninguém começa usando cocaína. O sujeito começa aos cinco anos de idade vendo o pai tomar um porre de cerveja no churrasco em família. Ou seja, o que essa criança aos cinco anos de idade está aprendendo? Que a droga, ou melhor, que existem substâncias que causam alegria, ou que existem substâncias que atenuam o sofrimento, porque ela vê a mãe dela tomando dalmidorm todos os dias. Ou seja, é aquilo que se chama de alegria química. A criança aprende a possibilidade de alegria química em casa, a criança aprende a se drogar em casa. Assim, não adianta depois, aos quinze anos, você dizer para ele que a cocaína é terrível, não adianta depois, aos quinze anos, você dizer que ele não deve fumar maconha. Por que? Porque ele já experimentou em casa, ele já sabe o que é a alegria química, ele sabe que existe uma substância que provoca prazer - e provoca. Essa é outra coisa equivocada: não adianta a campanha dizer que é terrível porque ele vai provar e vai sentir prazer. Ele não come esterco de vaca, porque não lhe provoca prazer; mas ele consome essas drogas, porque, inegavelmente, a droga propicia prazer: um copo de cerveja, uma taça de vinho; ou o tranquilizante, o valium que se toma; ou o prozac para levantar a auto-estima. A droga ela propicia prazer: o problema é explicar que esse prazer faz mal. A campanha cria ainda outra questão que é dramática: a campanha é feita por velhos. E aí o adolescente confiará em quem? Nos velhos ou nos “amigos”? Ora, ele provou com o “amigo”, e viu que é gostoso, que é bom, lhe deu prazer; e nessa idade o adolescente confia mais no amigo do que nos velhos - é natural da adolescência. Então, ele vê nessa campanha a “mentira”: “pô, eu provei, e vi que é gostoso, que é legal”. E assim você vai verificar que existe todo um conjunto, um aparato repressivo, existe toda uma estrutura bélica, toda uma gama de interesses voltados para tal ou qual tipo de substância. E o critério é eminentemente político. É proibido - não porque faça mal, porque fazer mal por fazer mal anfetamina é terrível; fazer mal por fazer mal, cerveja é terrível; fazer mal por fazer mal, cigarro é terrível. Ou seja, o critério não é farmacológico, não é um critério ligado a poder viciante, não é um critério ligado a saúde, não é um critério ligado a nenhuma dessas questões. O critério é um critério ligado a necessidade de repressão. Por que? Porque ter um aparato repressivo eu me auto-legitimo. Eu tenho concurso público todos os anos para preencher as vagas dos delegados, eu tenho concurso público todos os anos para preencher as vagas dos policiais; eu preciso comprar viaturas, eu preciso comprar armas, eu preciso comprar balas, eu preciso comprar coletes, eu preciso estruturar toda uma retaguarda de perícia, eu preciso formular toda uma estrutura de proteção de fronteiras. Eu preciso realizar toda uma troca de tecnologias, eu preciso comprar computadores. Ou seja, eu crio todo um aparato, uma indústria que me consome milhões - E alguém ganha com isso.
Vamos observar que nos anos 20 greve era caso de polícia. Aí o que aconteceu na sociedade brasileira? Num determinado momento, percebeu-se que não adiantava prender o sujeito que fazia greve, porque que a greve não era uma questão de polícia. Então, eu desloquei o eixo. E aí nos anos 30 passou-se a tratar o mesmo assunto como direito do trabalho. Ou seja, eu desloquei o eixo de tratamento daquele assunto, passei a dar um novo tipo de tratamento àquele determinado assunto. Nos anos 20 eu tinha greve, nos anos 30, também. Nos anos 20 eu tratava os grevistas com porrada e polícia; nos anos 30 eu passei a tratar a greve com sindicatos, com justiça do trabalho, com acordos de categoria, dissídios trabalhistas. Ou seja, eu passei a dar ao mesmo problema tratamentos distintos. Enquanto o Brasil não fizer a mesma questão que fez em relação à droga, e deslocar do campo penal para o campo da saúde pública, a sociedade só vai sofrer. Pare para pensar e vá para as pesquisas, vá para os dados. Qual é a verba que é gasta em repressão e qual é a verba que é gasta em prevenção? Você sabia que nem dois por cento da verba são gastos em prevenção? E que noventa e oito por cento da verba é gasta em repressão? Repare: eu preciso comprar armas aqui; os EUA precisam financiar a Colômbia. Isso aqui na verdade, meus caros, mais uma vez é o que?
- Dinheiro.
- Dinheiro. Não tem nada a ver com a saúde de ninguém, não tem nada a ver com “vamos proteger as nossas criancinhas da droga”, vamos fazer isso, vamos fazer aquilo.
E só para trazermos isso aqui para o campo do direito, a questão da droga contraria todo o direito penal, porque toda a estrutura do direito penal está voltada para uma lesão a outrem. O direito penal em momento algum pune a auto-lesão. A não ser quando a auto-lesão tenha sido realizada com o intuito de fraudar o seguro, ou coisa do gênero. Mas a auto-lesão em si não é punível. Então, por exemplo, eu posso tentar me suicidar que não serei punido por isso. A droga foge a tudo isso, mas na verdade se drogar é uma auto-lesão. Então, até a própria estrutura do direito penal se você for efetivamente investigar a fundo, do ponto de vista teórico você não encontra justificativa penal para isso.
- Rodrigo, o próprio advogado criminalista é bancado pela ilegalidade.
- Claro.
- Isso devia ser moralizado.
Ah, sem contar uma outra coisa - só para finalizar, só para dar um fechinho nesse tema. É paradoxal que as políticas conduzidas elas façam o seguinte: para o filhinho do papai, classe média, zona sul, lourinho sangue bom, que tem dinheiro,vamos fazer o seguinte: vamos deixar de enquadrar essa questão do uso como crime. Mas para o favelado é crime hediondo. Se, porventura, ele ainda for negro, aí ...
- Rodrigo nem todo advogado criminalista é bancado pela ilegalidade, como o colega falou.
- É uma generalização muito séria, mas provavelmente ele se refere ao advogado de grandes traficantes,...
- Exatamente.
- Mas vamos observar a seguinte questão: além disso, a lei não estabelece quantidade. Vamos observar pois é uma coisa sutil: a justificativa: não, depende das situações. Que situações? Eu sou louro, alto, de olhos azuis, estou numa Mercedes Benz ou numa BMW, dirigindo na Vieira Souto sou parado pela polícia e tenho um quilo dentro do carro. Sabe, eu não posso me arriscar a toda hora ir buscar, por isso eu pego, para uso próprio, mas numa grande quantidade, para que eu não precise ir buscar a toda hora, para que eu não precise me arriscar.
- É que eu distribuo para os amigos também...
- É um quilo, mas é um quilo para uso próprio. Agora, o “vapor” que está ali, com dois papelotes? Esse não precisa nem ter dúvida: esse aí é traficante. Então, não estabelecer quantidades, não é porque você precise analisar etc., etc. Não estabelecer quantidades é dar margem para que eu possa liberar o “filhinho de papai” e dar porrada no favelado. Não tem nada a ver com questões sociais,.....; não, é para que eu possa ter liberdade de fazer isso. Se ele morar no morro e for negro: porrada nele. Se ele for branco, “filhinho de papai”, eu classifico como para uso próprio. Aí vamos aliviar, vamos impor medidas sócio-educativas: ponha o garoto lá para fazer um trabalho na creche.
- Você quer acabar com a estatística da segurança do Estado, não é?
- Então, o aspecto fundamental é esse, não tem...
- Nós tivemos aí um exemplo muito forte que foi do nosso ex-presidente da República, que era um viciado em cocaína e ninguém falou nisso. Só que ele fazia uso da cocaína através de supositórios. Essas coisas que fazem a diferença: ele não cheirava.
- Ele aspirava, não é mestre.
- Você veja que é muito engraçado: o pai já “derramou” meia garrafa de whisky, ou mais, já “enxugou” uma garrafa inteira de whisky; a mãe está lá tomando dalmdorm, valium e coisas do gênero; e, esses dois, estão lá horrorizados porque encontraram na mochila do filho um cigarrinho de maconha. Vamos observar que do ponto de vista farmacológico o sujeito ter “enxugado” uma garrafa de whisky, ou a mãe ter se entupido de dalmdorm não tem diferença nenhuma: muito provavelmente o dalmdorm ou o whisky acabam prejudicando mais do que aquele cigarrinho. Ou seja, digo isso em função daquela questão que começamos a conversar, porque há a necessidade de se repensar uma série de critérios, há necessidade de se sopesar. Mas o grande problema dessas discussões polêmicas é que as pessoas já iniciam qualquer discussão munidas de preconceitos, não admitindo sequer a reflexão a respeito de determinados pontos. E aí, obviamente, ao invés de debater democraticamente, querem agredir os opositores do debate, ao invés de desarmá-los dos seus preconceitos, das suas pré-disposições refletirem, efetivamente, sobre as reais condições e estruturas daquilo que nós vivemos. Porque, sem dúvida nenhuma, numa situação como a que nós estamos vivendo, sofre quem consome e quem não consome. Se você repensar o modelo, talvez venha a sofrer apenas quem consome. É preciso, pois refletir sobre tudo isso e o grau de violência a que se chegou, que é absolutamente intolerável. E a sociedade exige uma reflexão. Só que, normalmente, nos momentos tensos, a opção escolhida é amplificar a violência e não pensar em mecanismos para amenizar a carnificina, reduzir o grau de tensão na respectiva sociedade.
Bom, questões à parte, vamos para o art. 64.
“Art. 64. Em ambos os casos, o réu requererá a nomeação no prazo para a defesa; o juiz, ao deferir o pedido, suspenderá o processo e mandará ouvir o autor no prazo de 5 (cinco) dias.”
“Em ambos os casos, o réu requererá a nomeação no prazo para a defesa”, ou seja, proposta a ação, o autor propõe a ação, citação do réu e aí, no prazo para a defesa, o que nós podemos fazer? Nós podemos contestar, nós podemos reconvir, mas nós podemos também nomear à autoria. E, claro, aqui vem aquelas outras questões adicionais, como as exceções e as impugnações ao valor da causa que são possíveis. Mas ele pode, também, no prazo de defesa, nomear à autoria. Em ambos os casos o réu requererá a nomeação no prazo para a defesa. O juiz, ao deferir o pedido, suspenderá o processo e mandará ouvir o autor no prazo de cinco dias. Então, vamos, a partir da nomeação à autoria, ouvir o respectivo autor. Vamos observar, então, o prazo para a defesa: cinco dias. Vamos observar que esse autor vai se manifestar e poderá, conseqüentemente, aceitar isso ou não. Nos diz o art. 65:
“Art. 65. Aceitando o nomeado, ao autor incumbirá promover-lhe a citação; recusando-o, ficará sem efeito a nomeação.”
Ora, vamos observar, então, que o autor aceita ou não aceita. É claro que quando falamos aqui em aceitação ou não aceitação não é o mero aceitar injustificado, ou o não aceitar injustificado. Há que se ter na manifestação uma fundamentação dessas respectivas posições. E aí se nós temos a aceitação, o autor deve promover essa citação: se aceitar, ele vai promover a citação do nomeado. Aqui perde-se o efeito. Então, “aceitando o nomeado, ao autor incumbirá promover-lhe a citação; recusando-o, ficará sem efeito a nomeação”. Se o nomeado reconhecer a qualidade que lhe atribuída esse nomeado, uma vez citado, ele também vai poder aceitar ou não. E aí depois o art. 213 nos diz que a citação é o ato pelo qual se chama o réu ou o interessado a contestar. Ora, observem que aqui ele não está sendo chamado para contestar, ele está sendo chamado para se manifestar a respeito desse aspecto aqui, não está apresentando contestação.
“Art. 66. Se o nomeado reconhecer a qualidade que lhe é atribuída, contra ele correrá o processo; se a negar, o processo continuará contra o nomeante.”
Então, se ele aceita, segue o processo. Se ele não aceita, fim do processo, ou seja, perde-se o efeito.
“Art. 67. Quando o autor recusar o nomeado, ou quando este negar a qualidade que lhe é atribuída, assinar-se-á ao nomeante novo prazo para contestar.”
Isso significa que eu tenho uma imprecisão e uma contradição no Código. Por que? Porque o art. 64 nos diz que o juiz suspenderá o processo. Temos de entender isso. Eu tenho a suspensão do processo. Ora, na verdade, o que nos vamos observar aí é uma interrupção do prazo - e não suspensão do prazo. Por que? Porque quando nós interrompemos o prazo nós temos agora um novo prazo na sua integralidade. Quando nós apenas suspendemos o prazo, o que faltava cumprir será cumprido após a volta da tramitação do processo. Então, não é aquilo que acontece. Imaginemos que a nomeação à autoria tenha sido feita no décimo dia: ora, na hipótese dessa recusa, ou na hipótese dessa recusa, daqui não restarão cinco dias. Mas eu ganho novo prazo para contestar, por que? Porque o prazo foi interrompido - e não suspenso. Ora, quando trabalhamos a idéia de suspensão nós temos que nos remeter ao art. 265. Este artigo nós dá a temática da suspensão e nos diz que suspende-se o processo: aí vem o inciso I - pela morte ou perda da capacidade; II - pela convenção das partes; III - quando for oposta a exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz; IV - quando a sentença de mérito (aí vêm as alíneas a, b e c) ; V - por motivo de força maior. Ora, a isso se sucede o disposto no inciso VI - e nos demais casos, que este Código regula. Esta suspensão de que trata a nomeação à autoria se encaixa no inciso VI, porque ele é um desses demais casos que o Código regula. E eu tenho que compreender a suspensão de que modo? Eu tenho que compreendê-la como suspensão própria e imprópria. Porque por vezes o processo está tendo o seu rumo e efetivamente a suspensão paralisa o seu fluxo e eu não vou praticar nada mais até que eu retorne a esse fluxo. Essa é efetivamente a suspensão própria. Então, quando, por exemplo, no inciso I: pela morte ou perda da capacidade da parte - aqui tenho efetivamente uma suspensão própria, porque eu paraliso o processo.
Agora, é possível que eu tenha suspensões que, na verdade, não se configuram ocmo verdadeiras suspensões, porque outros continuam sendo praticados. Na verdade isso se assemelha mais a um desvio. Por exemplo, quando nós temos a nomeação à autoria, ou quando nós temos a exceção de incompetência, o que nós temos? É proposto o processo, nós pegaremos um desvio, vamos debater uma série de assuntos, vamos decidir esses assuntos; chegando aqui, nós voltamos em direção ao mérito.
Quando eu estou discutindo competência eu paro o processo em direção ao mérito, pego um desvio e vou debater o que? Competência. Vou decidir essa competência; decidida a competência eu retorno agora ao caminho meritório.
Agora, aqui eu estou seguindo no fluxo processual; vem a nomeação, eu vou discutir o que? Legitimidade. Decidida a legitimidade eu vou agora dar seqüência às discussões de mérito. Quando eu faço esse desvio na verdade eu estou diante de uma suspensão imprópria, porque o que eu suspendo são os atos processuais pendentes ao mérito, e passo a discutir questões paralelas ou secundárias ou, poderíamos dizer ainda, estranhas ao mérito; porém, não paralisamos o processo. Daí porque a doutrina quando estuda a questão da suspensão do processo faz a distinção entre suspensão própria e suspensão imprópria.
E a doutrina costuma também, quando analisa o art. 265, fazer uma outra divisão, que vamos mencionar apenas a título de complementação do disposto, que é a necessária ou a facultativa. Porque, obviamente, a suspensão pode resultar de uma imposição de lei, ela pode resultar de uma ordem expressa, deliberada da norma para que haja a suspensão do processo, seja ela própria ou imprópria, mas há uma norma nesse sentido; e por vezes, a suspensão pode resultar, obviamente, como sabemos, de um acordo entre as partes, da vontade das partes em sobrestar o processo, para que as partes possam promover aí os atos que entendem necessários; ou até mesmo chegar a um acordo, a uma transação extra-processual, e comunicar, posteriormente, ao juízo essa possibilidade de transação.
- Mas esse novo prazo como é que fica. Vamos dizer que haja a contestação. Vamos contestar a não aceitação da coisa. Aí é dado um novo prazo. Nesse novo prazo, continua aguardando a decisão de quem está contestando para poder voltar ao curso normal do processo? Ou esse novo prazo não tem nada a ver com o curso normal do processo?
- Não. A partir daqui, então, nós vamos observar que eu vou ter o prazo para contestar. E eu vou, então, dessa contestação seguir com o fluxo normal previsto no respectivo rito. Ou seja, vamos fazer a contestação, depois da contestação, se for o caso, vai haver uma réplica, ou vamos para as providências preliminares; se não for feita a contestação, vamos perceber a configuração do art. 319 (os efeitos da revelia): enfim, nós vamos seguir o fluxo normal, independente do fato de ter o respectivo agravo de instrumento. A não ser que, obviamente, com os poderes do relator, eu tenha concedido o efeito suspensivo e não meramente devolutivo a esse recurso. Está claro?
- Rodrigo, então, com a citação do réu, se ele for nomeado à autoria ele não fará mais nada na contestação senão a nomeação à autoria? Não contestar, ele só vai nomear à autoria e nada mais, não vai analisar o mérito, nada?
- Isso aqui não é uma discussão de mérito. Pense nisso aqui tal qual a exceção de incompetência. Quando você têm a exceção de incompetência você interpõe a sua exceção de incompetência. Decidida a exceção de incompetência, aí sim você vai apresentar a sua contestação. Por que? Porque, obviamente, se aquele juiz não for competente, ele também não será competente para aferir a contestação. O código determina que quando do ingresso, vamos observar o inciso III, do art. 265:
“Suspende-se o processo:
III - quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz”.
Ora, quando for proposta a execeção de incompetência do juízo significa o que? Quando você der ingresso na sua execeção, suspende-se o processo, e aí, obviamente, você terá o prazo para a contestação, após a decisão relativa a essa incompetência. E aí vamos observar:
“Art 306. Recebida a exceção, o processo ficará suspenso (art. 265, III), até que seja definitivamente julgada.”
Ora, aqui há uma imprecisão técnica porque não é definitivamente julgada, porque se fosse definitivamente julgada, você ficaria com o processo suspenso até o recurso extraordinário. O que você tem, na verdade, é que o processo fica suspenso até que você prolate a respectiva decisão naquele grau respectivo. Com o seguimento do recurso, não há mais que se falar em suspensão, o processo vai impor o seu fluxo normal. E aí, dessa suspensão, você vai ter o seu prazo para a contestação após essa decisão. O que, então, faz com que essas duas hipóteses sigam esse mesmo fluxo aqui. Eu não vou contestar enquanto não decidir a competência; assim como eu não vou contestar enquanto não decidir a legitimidade. É claro que, por vezes, a legitimidade se confunde com o próprio mérito. É claro que, na prática, isso aqui é difícil. Eu cheguei a falar sobre condições da ação aqui? Ou não?
- Não.
- Não falei sobre condições da ação? Eu achava que tinha falado sobre condições da ação. Na verdade, meus caros, condições da ação não existem. Vamos fazer uma rápida análise para lhes mostrar que falar em condições da ação é uma grande besteira. Observe o que é o mérito de um processo? O mérito de um processo é a pretensão que foi posta em juízo, correto? Ora, você verifica isso facilmente combinando o art. 486 com o art. 460: o pedido deve ser certo e determinado. Não pode o magistrado julgar aquém, além ou fora do pedido. Ou seja, a sentença que decide o mérito é uma resposta ao pedido. O pedido é a própria pretensão. Uma questão de encadeamento lógico dessas idéias. Conseqüentemente, o mérito é a pretensão. A pretensão é sempre de direito material. Você tem uma pretensão que se liga ao bem da vida. Nessa medida se a pretensão é sempre de direito material, sempre que você analisa o direito material, você está analisando o mérito, você concorda? Se o mérito é a pretensão, e a pretensão é sempre de direito material - é claro, porque você quer o bem da vida - a tutela é o meio pelo qual você terá o bem da vida. Então a pretensão é sempre ligada ao bem da vida, e o bem da vida é de direito material. Me parece muito clara essa seqüência, não? Pois bem, se o mérito é a pretensão e a pretensão é o direito material sempre que você se manifesta a respeito do direito material você .............Tem um livro, que é do Fábio Gomes, que ele analisa isso, ele desenvolve esse caminho analisando algumas jurisprudências para mostrar o ridículo da coisa. Há uma jurisprudência que eu sempre cito que é muito peculiar. No livro dele ele descreve um julgado do Tribunal de São Paulo que é basicamente o seguinte: havia uma banca de jornal, o jornaleiro expôs as revistas e algumas dessas revistas eram de conteúdo pornográfico e estavam sem a tarja preta que encobre o seu conteúdo. Um sujeito passou em frente a essa banca, se sentiu ofendido e ingressou com uma ação em face do jornaleiro. Isso foi ao primeiro grau, depois foi ao TJ de SP. Julgada do Tribunal: “A obrigação de recobrir as revistas com tarjas pretas pertence à editora e não ao jornaleiro. Razão pela qual extingue-se o processo, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade da parte”.
Se eu estou dizendo que a obrigação pertence à editora, que a obrigação não pertence ao jornaleiro, eu estou analisando o que?
- O direito material.
- E qual foi a nossa conclusão do racioncínio? Quando eu analiso o direito material eu analiso o que?
- O mérito.
- Então, o que nos diz o Fábio Gomes? Eu sempre analiso o mérito. É uma auto-ilusão dizermos que estamos extinguindo o processo sem análise do mérito. Às vezes o mérito é mais evidente. às vezes o mérito depende de maior investigação. Mas sempre que você fala de legitimidade, em verdade, você está analisando o mérito. Por que o que é a teoria eclética da ação (a teoria do Liebman)? O próprio Liebman disso isso em palavras textuais, isso é, aspas, do livro do Liebman: “está na hora de tentar uma unificação da teoria concreta com a teoria abstrata”. Ora, só que combinar teoria concreta e teoria abstrata da ação é como querer misturar vinagre e azeite. São questões incompatíveis. Então quando você introduz as condições da ação, na teoria do Liebman, as condições da ação, na verdade, são questões de direito material. Se eu digo que aquilo que você pede é possível ou não, eu já estou dizendo isso à luz do direito material - e não do processo. Então, na verdade, é uma teoria que busca implementar um sincretismo entre direito material e direito processual completamente incompatível. E isso, ressalte-se, é só no nosso ordenamento jurídico. E só aqui implantado por acaso, por o Liebman veio da Itália, fugido da Segunda Guerra Mundial, foi parar em São Paulo, e lá ele teve um aluno que se chamava Alfredo Buzaid. Anos depois, Alfredo Buzaid, querendo homenagear o seu professor, coloca a teoria das condições da ação - a teoria do Liebman - no Código de Processo Civil brasileiro. Mas isso não é assim na Argentina, no Uruguai, no Paraguai, em Portugal, na Espanha, na Itália. Isso é uma teoria nossa - nossa no sentido de que o Liebman tinha essa idéia, convenceu Alfredo Buzaid, e este, anos depois, veio a ser Ministro da Justiça. Por isso que essa teoria está no nosso Código. Agora, o fato de estar no nosso Código faz dela uma boa teoria? Não, é uma desgraça a teoria. Até porque, você quer ver uma coisa muito interessante? Como é que se aferem as condições da ação? Você vai ao livrinho do Alexandre Câmara, que diz assim: as condições da ação são analisadas de modo prévio e hipotético. Hipotéticamente sendo positivas as respostas, presentes as condições da ação. Segue-se em direção ao mérito. Processo para “pedestres”, aquela fase básica. Pois bem, olhe só a imensidão da besteira, a imensidão da tolice que ele está dizendo. Ex.: eu digo que sou seu locador. E o aponto como locatário. E digo que você não me paga os aluguéis. Pergunta-se (já que a análise é preliminar e hipotética): eu sou legítimo? Preliminar e hipoteticamente quem é o locador tem a legitimidade, sim. O sujeito é legítimo passivo? Preliminar e hipoteticamente se ele é o locatário, sim. O pedido dos aluguéis atrasados é possível? Sim. Vamos em direção ao mérito, e na instrução probatória percebe-se que na verdade eu saí do Pinel, falsifiquei documentos e propus uma ação só para lhe atormentar. Ou seja, uma teoria em que basta você mentir para legitimar alguém, não me parece uma boa teoria. A única coisa que você precisa para obter legitimidade, possibilidade jurídica do pedido e interesse é mentir, única e tão-somente. Você acha essa teoria consistente? Juridicamente sólida? “Importante” essa teoria, não é?
- Mas você não fantasiar um pouco a coisa você não vai ganhar dinheiro.
- Perceberam como a teoria das condições da ação é extremamente débil, frágil juridicamente? Tanto é que o próprio Liebman, no seu último escrito, das três condições - possibilidade jurídica, interesse e legitimidade - renegou duas. E, se tivesse vivido mais um pouco, provavelmente renegaria a terceira e iria pedir desculpas pela grande besteira que falou. O sujeito às vezes fala coisas fantásticas, e às vezes, grandes besteiras. Ele falou coisas muito interessantes, coisas muito boas, algumas, efetivamente, fantásticas; e falou também, como todo ser humano, algumas besteiras. A teoria das condições da ação é uma besteira, é uma tolice. Porque quando você analisa a legitimidade, quando você analisa se a pessoa tem interesse ou não, quando você analisa a possibilidade jurídica de um pedido, você está analisando direito material. Quando você está analisa direito material, você está analisando o mérito. Então, é claro, na nomeação à autoria, discutir essa legitimidade sem adentrar o mérito é claro que é muito difícil, é claro que é extremamente difícil. Teoricamente, não se adentraria ao mérito nessa discussão. Você está aferindo se a parte é legítima ou não para aquela respectiva demanda. Ficou claro agora?
- E se o nomeado, ele deve figurar no pólo passivo ali, o nomeante vai sair do processo?
- Vai embora.
- Segundo o Código, art. 267, extinto sem julgamento do mérito para ele?
- Extinto sem julgamento do mérito para ele, e na verdade, você teria aqui uma aplicação do inciso VI, mas observe como isso é complicado, observe como o processo é contraditório. É que eles querem passar a idéia de que o processo é um sistema, o processo funciona, o processo não tem contradições. Mas se eu tenho a continuidade do fluxo, pois chegando aqui (1) fiz o desvio, discuti, decidi que a legitimidade passiva é de C e não de B, o réu original. Agora, eu volto e vou conceder prazo para contestar: C vai ganhar o seu prazo para contestar. Na verdade, B está saindo em função de uma decisão interlocutória. Daí porque é meio complicado falarmos que para ele o processo termina com base no art. 267, senão eu teria de falar que estou dando uma sentença aqui, e, depois, estou dando uma outra sentença lá adiante. Mas ao mesmo tempo, como é que eu elimino alguém de um processo senão por sentença? De modo que o processo não é tão certinho como nos ensinam. O processo apresenta esse tipo de situação que é absolutamente contraditória. E aí vem um sujeito e faz “Lições de Processo” , ou “Curso de Direito Processual” ou “Manual de Direito Processual”, escreve os seus manualecos e aí ensina o processo como se este não apresentasse contradições intransponíveis. Isso é uma contradição intransponível. Como eliminar alguém do processo senão por sentença? Mas se eu disser que isso é uma sentença eu tenho que prolatar duas sentenças num mesmo processo. Na verdade, você tem conceitos que são fluidos e que a doutrina oficial tenta passar, através desses manualecos a idéia de que eles são conceitos sólidos. Percebeu? Me fiz claro, ou não?
- É um ponto falho
Qualquer explicação que você der aqui vai ser mera opinião. Aí, é claro, o sujeito é Ministro do STJ, ele dá a opinião dele e todo mundo: óoooooooh!!! Mas não deixa de ser uma opinião, não significa que você esteja extraindo do texto legal qualquer questão mais sólida.
O processo, eu sempre digo aqui, parece mais um queijo suíço, de tantos “furos” que tem. O processo não é essa coisa bonita, teoricamente sólida e sistêmica. A própria idéia de sistema, meu caro, é uma idéia que veio da Biologia e da Física. E que as ciências sociais do século XIX, através de Dworkheim, através de Max Weber através principalmente de Augusto Comte, pai do positivismo se apropriaram das idéias de sistema da Biologia e da Física, e quiseram transpor isso para as ciências sociais. E, ao fazê-lo, transpuseram também para o Direito, e aí vem essa balela de que o Direito é um sistema. Mas que sistema se é tudo contraditório? O coração, por exemplo, briga com o seu pâncreas? Este é antinômico com o seu estômago, que fica emn conflito com o seu cérebro? Não, porque faz sentido eu falar em sistema biológico, sistema natural. Agora, não faz sentido eu falar em sistemas para as teorias sociais, para o direito, pois neste uma norma é contraditória à outra. Isso não tem nada a ver com sistema. Sistema é uma idéia do século XIX, encontrada pela filosofia e pela biologia que funciona dentro daquelas ciências. Agora, não para as ciências sociais, não para as ciências humanas. Agora, é claro, o que você teve ao longo do século XIX e do século XX? As ciências sociais e humanas se apropriando de conceitos das chamadas ciências “duras” , as hard science - a física e a biologia. Mas na verdade o conceito de sistema envolve a própria combinação dos seus elementos e não a contradição dos seus elementos. Isso é lógica. Estudando lógica você vai ver os aspectos ligados a essa estrutura, o que é a idéia de sistema. Agora, claro, fica bonito você dizer que o sistema, que as normas são harmônicas, por que? Porque é sutil, porque você, assim, engana mais fácil; porque você cria uma ilusão, porque você demonstra que há uma coerência - como é que o Estado não vai ser coerente? Então, é melhor, é mais bonito você dizer que o direito é um sistema e botar o direito dentro de uma estrutura e lá em cima colocar o ápice - como se isso funcionasse, como se fosse assim. Entenda, meu caro, o que é a ciência? A ciência é um simplificador de questões. Ela é muito boa, é maravilhosa; você através da ciência produz remédios fantásticos? Produz. Você através da ciência constrói um automóvel, um avião, envia o homem à Lua? Claro que sim. É um avanço do ponto de vista do conhecimento? Sim, mas a ciência é um simplificador de questões, ou seja, eu elimino variáveis, trabalho com um número reduzido de variáveis e chego a determinadas conclusões. E aí eu crio idéias artificiais como essa. Na verdade, o que é a ciência? A ciência é a produção da verdade. Verdade não existe em si: verdade é aquilo que eu digo que é verdade. Eu produzo o sentido.Vamos trazer isso para o direito: o que é a verdade? Aquilo que o juiz disser, porque é aquilo que vai ter a força de formar coisa julgada. Se o policial lhe prendeu, o promotor lhe denunciou e o juiz diz que você é traficante você será traficante. Eu estou produzindo uma verdade. Está claro? Não acredite em tudo que você lê nesses manualecos pois eles são muito vagos. A gente lê esse tipo de manual e não exerce crítica. Pelo contrário, a gente vai lendo e vai os absorvendo cada vez mais até que num determinado momento perdemos completamente a capacidade de raciocinar. Por isso que é muito importante mantê-la e exercitá-la.
- É que muitas vezes temos de ficar presos a esses manuais.....
- Não, claro. Entenda, nós estamos em sede de pós-graduação e esta tem por objetivo o desenvolvimento de reflexão, o desenvolvimento de abertura de horizontes. É claro que se o sujeito vai fazer uma prova, se você for fazer uma prova eu lhe aconselho muito mais o que? Que você saia daqui imediatamente e vá ao MPI, saia daqui imediatamente e vá ao CEPAD. Lá você vai fazer um treinamento, um adestramento específico para passar naquela determinada prova. Mas o objetivo da pós-graduação é completamente diverso, o objetivo da pós-graduação é propiciar uma reflexão de pensamento, propiciar um debate de idéias e uma formação, na medida do possível, também técnica. Mas a técnica em si é o cursinho preparatório. A pós-graduação é uma reflexão sobre a técnica.
Então, é claro, eu estou com esse processo aqui, hoje vou entrar com embargos de declaração nesse recurso extraordinário, recurso especial. Agora, eu tenho que me ater aqui, muitas vezes, a um aspecto técnico procedimental que está determinado pelas infindáveis súmulas ligadas ao recurso especial extraordinário.
- Que foge totalmente daquilo que é o pensamento mais ...
- Então é óbvio...
- Vai ter que seguir aquele caminho...
- Vejam que com a reforma do judiciário você vai voltar a ter a chamada argüição de relevância. Eles trocaram de nome porque ficava chato chamá-lo de argüição de relevância por esse nome era da época da ditadura militar: para você poder acessar o STF tinha que demonstrar a repercussão do seu recurso. ou seja, como o seu caso poderia repercutir na jurisprudência brasileira. Agora ela vem com o nome agora de repercussão ... repercussão à alguma coisa, não me lembro agora como eles exatamente o nomearam. Mas, por exemplo, para que você possa desenvolver um raciocínio demonstrando a relevância, obviamente não vai ser apenas o ponto de vista da técnica. Você vai ter que fazer “n” analogias, implicações, demonstrações de influências e repercussões daquele seu julgado no sistema jurídico.
- Mas aí você vai bater de frente com o sistema jurídico arcaico. Quer dizer, aí você é o revoltado: não esse é o Fulano de Tal, essa tese que ele está trazendo, eles está querendo nos convencer de que? Se você for demonstrar o que você realmente sabe que é o certo... Para aqueles senhores que estão lá, aqueles senhores togados, para eles isso não está falando nada, porque eles não querem ouvir isso...
- ........quem vai analisar isso é o TJ. Se for o TJ você tem que embargar para .... porque praticamente é uma argüição de relevância no embargo de declaração?
- Na verdade o juízo de admissibilidade não deveria adentrar o mérito e você exerce um juízo de admissibilidade parcial aqui e um juízo de admissibilidade lá. Então, na verdade você vai ter que ter a argüição de relevância, aqui vão dizer sempre que não é revelante, como eles fazem, ou seja, como esse processo aqui, eles dizem sempre que o seu recurso não está bem formado e, conseqüentemente, você tem que entrar com um agravo no STJ ou no STF, para obrigar o recurso a subir. Porque, aqui - chega a ser ridículo - vejam quanta fundamentação: são na verdade quatro linhas: recurso especial: ao contrário do que sustenta o recorrente, o acórdão recorrido decidiu em perfeita conformidade com o teor literal do dispositivo dito violado, ao concluir que o falido não pode se ausentar do lugar da falência, carecendo de sentido a alegação em que se baseia o recurso. Assim sendo, aplica-se a súmula 284 do STF.
Na verdade, pelo que está escrito aqui ele não leu e o pouco que leu não entendeu, porque o que se pede no recurso é exatamente que não se aplique o art. 34 da Lei de Falência de modo literal. Vamos observar a seguinte questão: a Lei de Falência no art. 34 diz que o falido não pode se ausentar da Comarca. Ora, o que o juízo de Primeiro Grau fez e o o Tribunal fizeram foi uma interpretação literal do dispositivo. E a minha argumentação é em sentido contrário: de que eu tente compatibilizar essa idéia que, na verdade, é uma restrição à locomoção. O que eu argumento: ora, nenhuma restrição ao direito de ir e vir pode ser indefinida no tempo. A Lei de Falências diz que o processo deve estar concluso em dois anos. A minha argumentação não é para uma interpretação literal, mas para uma interpretação que combine essas duas disposições e conclua o que? De que a restrição do art. 34 não pode sobreviver após os dois anos. Como o processo falimentar já se arrasta há quinze! Nós temos que essa pessoa não pode se ausentar da Comarca há quinze anos. Ora, não se justifica a mantença disso. Até porque todos os atos de esclarecimento que poderíamos ter prestado já foram prestados há mais de dez anos. Então a ratio legis não sobrevive: eu preciso combinar e a melhor interpretação seria esta: daí porque art. 105, III, a da CRFB está sendo manejado por aí. É fácil de entender essa idéia? Lhe parece fácil? A questão está, modéstia à parte, muito bem explicada ao longo de vinte e cinco páginas, inclusive...
- Mas ler é que é o problema, aí é que está o problema...
- Mas você sabe o que diz a súmula 284? Ausência de fundamentação!
- Com vinte e cinco folhas!
- Na verdade o que acontece? Me parece uma idéia fácil, eu a expliquei aqui em um minuto e meio...
- Todo mundo entendeu, mas você foi falar em vinte e cinco folhas o homem não vai entender nunca!
- Não, porque o recurso especial é muito complexo de ser interposto. Você tem que primeiro demonstrar o cabimento, explicar porque você está manejando pelo inciso III, alínea a. Ou seja, existem várias etapas na elaboração de um recurso especial. Realmente você fazer um recurso especial com menos de quinze páginas é muito difícil, porque você tem que analisar a Constituição, a hipótese de cabimento, justificar a hipótese de cabimento para o seu caso no....
- Na realidade, a Constituição já não diz aquilo? Por que você tem que justificar aquilo que já está dito? Entendeu? São essas coisas que tornam-se maçantes.
- Quanto mais recursos você puder eliminar na base, melhor. Então, você tem que realizar toda essa temática para aí, sim, você entrar no mérito do seu recurso. E aí, no mérito, você vai dissecar a ratio legis do art. 34, porque a ratio legis do art. 34 deve ser combinada com o prazo de dois anos; e, conseqüentemente, se isso equivale a uma restrição do direito de ir e vir ela não ser indefinida no tempo, pois se o processo falimentar durar vinte e cinco anos, trinta anos. Por exemplo, a falência da Pan Air - os mais jovens não sabem o que era a Pan Air - mas a falência dessa companhia no Brasil, que foi nos anos sessenta, está aberta até hoje! Então, imagine o sujeito com uma restrição indefinida no tempo do seu direito de ir e vir. Isso além do aspecto constitucional, daí porque foi manejado, a um só tempo, o recurso especial e o recurso extraordinário. O recurso extraordinário para a análise disso à luz da Constituição; o recurso especial para análise disso do ponto de vista infraconstitucional entre essas duas informações: a restrição de locomoção e os dois anos. Aí é que você vai fazer a sua análise e depois formular o seu pedido. Então realmente é difícil você desenvolver todas essas idéias em menos de quinze, vinte laudas. Nessa medida, você vai verificar o que o sujeito tem a cara de pau de colocar a súmula 284, alegando que a questão não foi fundamentada. A referida súmula diz assim: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”. Se eu consegui explicar para vocês em um minuto e trinta segundos, uma idéia simples dessa! Então, na verdade, sobe o que eles querem e única e exclusivamente o que eles querem. Você tem sempre que entrar com o recurso de agravo...É claro, se eu me chamasse Mousnick, Aragão, Sérgio Bermudes, eu não teria esse tipo de problema porque os meus recursos seriam admitidos sem maiores dificuldades
-Você acha que com a reforma do Judiciário que vai melhorar isso aí?
- Só tende a piorar.
- Piorar?!
- Mas é evidente, mas evidente.
- Então seria melhor que nem viesse, né?
Para só concluirmos, o deschefo aqui é rápido. O art. 68 nos fala sobre a aceitação tácita.
“Presume-se aceita a nomeação se:
I - o autor nada requereu,no prazo em que, a seu respeito, lhe competia manifestar-se;
II - o nomeado não comparecer, ou, comparecendo, nada alegar.”
Se o autor não se manifestar, tacitamente está aceita a nomeação. E o nomeado, se ele é citado e não se manifestar sobre o assunto, a questão fica presumida.
E o art. 69, nos diz:
“Responderá por perdas e danos aquele a quem incumbia a nomeação:
I - deixando de nomear à autoria, quando lhe competir;
II - nomeando pessoa diversa daquela em cujo nome detém a coisa demandada.”
São questões ligadas à ética processual para que não se tenha um processo em vão, ele responde por não ter diligenciado e, conseqüentemente, não ter feito, elaborado a sua respectiva nomeação.
Na terça-feira que vem, então, começamos com denunciação da lide.
Um grande abraço a todos.

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